25 de dezembro de 2011

navidad


Desta vez, farei diferente. Não vou maldizer o Natal, ainda que este não seja a minha época favorita do ano. Para falar a verdade, não há fórmula objetiva o bastante para categorizar o tempo e compartimentá-lo em períodos de que se goste mais ou menos, a não ser que uma estação e sua comida típica sejam evocadas. Do contrário, favorecemos os meses da fortuna em detrimento daqueles banhados pela maré do azar e, na matemática inexata do tempo, a bonança e as tempestades são inexoravelmente variáveis e, assim, inclassificáveis. 

Clichês me apavoram. Evito-os a todo custo, mesmo que sejam convenientes. Assim, chorar pitangas na véspera de Natal é lugar-comum não apenas para o dickensiano Scroodge, o verde nauseabundo de Grinch ou para a descrente Natalie Wood em "O Milagre da Rua 34", mas para a subscritora inclusive e principalmente. Desta vez, não me incomodarão os pisca-piscas dos pinheiros de plástico, as barbas de algodão dos velhinhos da Coca-Cola nem o Chester que, na verdade, não passa de um galináceo geneticamente modificado. No crepúsculo de 2011, decido ser otimista, para variar. Para escapar ao clichê que, por pouco, não engole a mim.

À mesa da casa de meus pais, repousam uma bacalhoada, uma travessa de suculentas rabanadas, uma torta de chocolate e a indefectível ave, rodeada por fatias de abacaxi. São três da madrugada, acabo de assistir a dois musicais antigos na TV, o ventilador ronca a dois metros de mim, ouço grilos no jardim e a respiração pesada do casal que, à revelia do calendário, dorme sereno. Pela tarde, chegarão minha irmã e sobrinhos, bocas para consumir o lauto banquete e mãos para afagar a família pequena, separada por gerações e distância física, mas unida nas horas em que toca o alarme de incêndio, aperta o cinto e a solidão é pesada demais para se carregar sozinho. Natal é isso. Chanukah é isso. Família é isso.

Os porta-retratos, cristais e relógios me encaram - ou eu a eles. Vejo-me há quinze anos, rosto corado de sol, cabelos loiros, sorriso sem rugas, alguns quilos a menos. Ainda sou eu. Vejo a vida de trás para frente, pois é assim que as fotografias estão dispostas sobre a cristaleira. Um dragão de madeira e dois galos de prata acumulam poeira e, estáticos, perguntam-me qual daquelas épocas fora a melhor, se é que seja isso possível. Não há época melhor, nem pior. Todo Natal e Carnaval são diferentes porque, a cada virada de ano, encerra-se um ciclo e inicia-se outro. Em colheita, há os bons anos e os anos ruins. No mercado de ações, igualmente. No comércio, também. No imenso, solitário e estelar umbigo do mundo de cada um, operam-se tantas metamorfoses que "bom" e "ruim" tornam-se por demais restritos e parciais para definir o todo em expansão que somos, à revelia de datas comemorativas.

A uma semana de 2012, o ano do fim do mundo para quem compra a ideia de cataclismos, previsões astrológicas e/ou bíblicas, numerologia e filmes-catástrofe, decido celebrar. A colheita de 2011 rendeu-me mais frutos do que pragas, até porque cada parasita nos serve de alerta para regar mais, podar menos, afofar a terra e espaventar os corvos. Na entressafra da vida, tornamo-nos agricultores mais espertos e ágeis que, definitivamente, não jogam a toalha quando a vaca vai para o brejo. Na balança onde peso os lucros e as perdas, meus parasitas valeram ouro: foram degraus, trampolins, anabolizantes que substituíram meus pés de barro por vigas de aço.

Neste Natal, sou o bom velhinho de mim, e o presente que encontro no fundo da caixa de Pandora é a trindade divina fundamental: otimismo, esperança e coragem. Em meu presépio, há um punhado de sal do mar, outro de areia, uma flor de ipê amarelo, uma folha de papel em branco e uma moldura vazia. Parece oferenda para Iemanjá, mas não é. Entre quebrar o tabu do queixume e pular sete ondas há um universo intransponível de diferença. Meu presépio imaginário é um amuleto que sinaliza o ponto A - de onde parto - e o ponto B, aonde quero chegar, com histórias e imagens que irão preencher a alvorada de um novo ciclo.

Não precisei receber a visita de três fantasmas para perceber porque vale a pena celebrar o cair da cortina dos anos; os parasitas em minha colheita o fizeram. Do solo árido, rachado e escaldante, brotou verde fresco e tenro, justamente em função da praga, para combatê-la e fazer de mim paineira, musical e maleável à ventania. Envergo-me, perco folhas e sementes, dobro-me até o chão, mas não quebro. Sobrevive a enchentes quem sabe que não há temporal que perdure, nem seca que não tenha fim. Na flexilidade do caule está o mais poderoso pesticida: o poder de regeneração e cura, resiliência e celebração. Neste Natal, a mensagem escondida em meu biscoito da sorte é clara, irrevogável e brilha como o raio de sol teimoso a perfurar a nuvem de chuva: o mal que vem para o bem, não é mau em si mesmo; é útil. É Biotônico Fontoura. 

6 comentários:

  1. Adorei, moça! Beijo! Compartilho!
    = : )
    É assim que se fala e, sobretudo, é assim que se faz!

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  2. Obrigada, Gabe's, meu amigo, meu leitor querido. Para você, um natalíssimo ano-novo ;-)

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  3. Antônio Baracat25.12.11

    Muito bom seu texto, gostei...

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  4. Obrigada, Antônio. Esteja mais do que à vontade e bem vindo para ler os outros e comentar também. Abraço grande!

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  5. Prirohem25.12.11

    E haja envergadura... Ôôô... Amo teus textos, querida!

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  6. Haja envergadura, minha linda! Te adoro, coisa rica. Muitos beijos!

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