12 de janeiro de 2011

gárgula

os planos, a lógica, a determinação / deles
os horários, a agenda, o calendário / dos outros
as molduras, os despertadores, os discursos / coletivos
ah, como tudo isso te dá sono...

mas não é um sono para que durmas
nem para que relaxes do cansaço da lida
ou para que recuperes o fôlego depois do amor
é mais um sono de trevas, para que adormeças em vida

com a tua mente embotada e a visão enevoada
acabam te transformando num personagem indistinto
onde interpretas um enredo que não é o teu
e, na vereda sorumbática do alheio, tua história se perde num labirinto

dédalos para ti, projetos e alvos para eles
que em posse de palheta, pincéis e giz
cromatizam o teu mundo como pintores cegos e autoritários
à revelia das cores que há muito tonalizam tuas retinas


nada há de mais temeroso do que dormir de olhos abertos
essa labilidade morosa, comprida feito sombra de fim de tarde
que devora teus sonhos, tua identidade e razão
até sobrar nada além da fábula que alguém escreveu para ti

até a moldura do quadro que não pintaste
encerrar uma vida inteira entre quatro varetas rígidas
até as cores que escolheram para adornar o teu sorriso
se tornarem de fato os tons incrustados do teu pranto

porque é na clareira borrada que teu choro abre na face
que percebes, ainda anestesiado de letargia, mudo e alquebrado  
que passaras a vida dormindo, na forma de um pequeno gárgula
antes vivo, hoje petrificado, inofensivo e coberto de limo e pássaros...

... que tu, estátua, observas voar para o horizonte. Apenas até aonde teus olhos baços podem alcançar.

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