20 de julho de 2015

clichês de papel




Está em cartaz o longa "Cidades de Papel" (Paper Towns, 2015), baseado no best seller de John Green, escritor e vídeo blogger americano que conquistou adolescentes de todo o globo, tendo seus livros traduzidos em mais de doze línguas. Adaptação fiel do livro, o filme é narrado por Quentin Jacobsen, um rapaz pacato cursando o último ano da escola antes de dar adeus a sua restrita zona de conforto e partir para a universidade, momento em que, aos olhos de Quentin, sua vida começará de verdade. Uma narrativa sobre o primeiro amor e a descoberta da própria identidade, "Cidades de Papel" é, sobretudo, uma reflexão sobre a amizade e a viagem longa, confusa, delicada e por vezes dolorosa que é amadurecer.

Q, como é chamado no livro e na adaptação para o cinema, acredita que todo mundo tem seu milagre pessoal, um momento epifânico mágico que transforma vidas insossas em algo espetacular e digno de ser vivido. Para ele, o milagre chega na forma de Margo Roth Spiegelman, uma menina que se muda com a família para a casa da frente e acaba se tornando uma companheira na infância de Q. Não é surpresa que ele seja completamente apaixonado por Margo e, mais óbvio ainda, que ela seja uma criatura exótica, destacando-se na palidez dos subúrbios americanos. Margo encanta Q com sua personalidade ousada e aventureira, uma aura de mistério da qual o rapaz não pode escapar; ela o fascina porque é inatingível.

Em entrevista à revista The New Yorker em junho de 2014, o autor John Green fala do início de sua carreira e de como seus livros foram catapultados de projetos modestos a fenômenos de venda entre o possivelmente mais fiel e rentável público de jovens adultos. Na entrevista, Green é chamado de "teen whisperer", algo como "aquele que sussurra aos adolescentes". Com efeito, Green aprendeu a falar e dominar a língua de seus fãs, e por isso vem construindo uma legião de leitores vorazes, que citam falas de seus livros como lemas, mantras para apaziguar sentimentos e pensamentos em constante e febril turbulência.

Green parece de fato ter o dom de presentear seus personagens com falas que logo se tornarão máximas entre os leitores e, devido à popularidade na internet, entre não-leitores, em semelhante proporção. Com "Cidades de Papel" o resultado não seria diferente. Entre as mais estimadas citações estão as seguintes: "Ela amava tanto mistérios que acabou se tornando um"; "Nada jamais acontece até que você imagine que irá acontecer"; "Eu amo cidades onde nunca estive e pessoas que nunca conheci"; "O prazer não está em fazer as coisas, mas em planejá-las"; "É tão difícil ir embora até que você realmente vai embora; então, isso vira a coisa mais fácil do mundo"; "Você pode amar alguém muito, mas nunca vai amar as pessoas tanto quanto vai sentir falta delas".  "De que adianta estar vivo se você pelo menos não tentar fazer algo incrível?".

Na literatura, clichês são abomináveis, uma prova irrefutável de que o autor é incompetente, prosaico e desimaginativo, e de que seu trabalho é estéril, desprovido de viço criativo, esgotado. Nas artes, o que vale é o novo, o inédito ou, na pior das hipóteses, o reinventado e "repaginado", seja lá o que esse eufemismo signifique. Todo mundo espera ler algo diferente, assistir a uma coisa nova, ser refrescado pela brisa da originalidade. Mas para cada editor ou crítico que repudia a trivialidade dos clichês, existe alguém da platéia que o adora e continuará a repeti-lo.

O talento de John Green é saber usar os clichês. Nas vozes de seus personagens, tão reais e semelhantes a seus leitores, os bordões viram lição de vida, mote, bússola. Green utiliza uma linguagem objetiva e honesta, sem voleios e grandes pretensões literárias e, por isso, fala diretamente à mente e aos corações dos leitores. Nas palavras de Margo, Q e seus amigos, os clichês são acolhedores como casa de pai e mãe, endossam dúvidas e opiniões veladas e as transformam em certezas atestadas. Os livros de Green são tão populares porque, às vezes, tudo o que se quer é eco. Ninguém precisa questionar tudo o tempo todo nem quebrar paradigmas a cada página. De vez em quando é bom e altamente recomendável para a saúde mental que a gente leia, veja ou ouça alguma coisa que reflita exatamente o que pensamos mas não temos palavras ou coragem para verbalizar. Todo mundo precisa sentir que está no "caminho certo" de vez em quando, ainda que seja através da vida imaginada de personagens fictícios.

No final de "Cidades de Papel" Q aprende sua mais importante lição pré-adultescência: "Que coisa perigosa é acreditar que uma pessoa é mais do que uma pessoa". Q acreditou que Margo fosse seu milagre pessoal, um talismã, uma criatura espetacular que mudaria a sua vida; custaram-lhe muitas páginas e lágrimas para que ele compreendesse que era diferente de Margo, que jamais seria Margo. Mas o rapaz foi esperto o bastante para perceber o perigo de atribuir ao outro a fonte e o meio da felicidade inerente, e tomou as rédeas do seu jovem, aspirante coração nas próprias mãos. Não é difícil entender o sucesso de John Green com jovens adultos aprendendo a viver: na língua deles e em clichês, o escritor acaba ensinando muito mais do que contando uma história aparentemente banal; até porque toda história, a nossa história, deve ser, por essência, cheia de sentido e incrível. Até porque, para usar as palavras da própria Margo, não dá para passar a vida numa cidade de papel, queimando a mobília do futuro para se aquecer.

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