9 de janeiro de 2017

fora da caixa

paradigma
(grego parádeigma, -atos)
substantivo masculino
1. Algo que serve de exemplo geral ou de modelo = PADRÃO
2. [Gramática]  Conjunto das formas que servem de modelo de derivação ou de flexão = PADRÃO
3. [Linguística]  Conjunto dos termos ou elementos que podem ocorrer na mesma posição ou contexto de uma estrutura.


O conceito de quebra ou mudança de paradigma se tornou uma febre entre os profissionais do ramo de recursos humanos de médias a gigantescas empresas na década de 1990. De repente, era vital que funcionários dos mais variados escalões fossem treinados a abrir suas mentes para novas ideias, que os desafiassem e a seus padrões de comportamento engessados. Mais do que isso, o empregado - em especial no ambiente corporativo - deveria aprender a mudar sua forma de pensar, a pensar "fora da caixa", termo emprestado e traduzido literalmente de uma expressão em inglês, "think outside the box". Com um movimento orquestrado do pessoal do RH, a criatividade, a capacidade de inovação e a adaptabilidade transformaram-se no novo paradigma, nunca antes tão valorizado no mercado de trabalho.

Passadas mais de duas décadas, trazer à baila o assunto de mudança de paradigma no ambiente corporativo é tão redundante quanto adicionar o inglês como língua estrangeira no currículo; ter a mente aberta à mudança e falar inglês são pré-requisitos, meras formalidades. Parece cruel, e de fato é, mas o mercado de trabalho, sempre inchado e competitivo, se torna uma arena cada vez mais implacável, restando aos combatentes o gládio e a coragem. Em seu favor a atual geração possui a sede nata pelo plural e o anseio pela mudança. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), a rotatividade de trabalhadores formais - com carteira assinada - de 15 a 24 anos de idade, pulou de 4 milhões para 8 milhões entre os anos 2000 e 2010. Em outras palavras, o dobro de jovens pediu demissão de seus empregos porque entendeu que "já era hora de mudar".

Mas este ensaio não é sobre paradigmas no ambiente corporativo; é sobre os arquétipos, modelos que concebemos em nossas vidas pessoais e que permeiam toda a nossa existência, definindo não apenas a forma como pensamos e julgamos o mundo ao redor, mas construindo nossos valores morais e preceitos éticos. Paradigmas pessoais são, na melhor das hipóteses, uma personalidade bem delimitada, dita "forte": na ceia de Natal, o primo parcimonioso, que diz o que pensa e é sempre lembrado por suas manias, importunas ou não. Na pior das hipóteses, são um conjunto desastroso de preconceitos e pré-julgamentos, o "monolítico": na mesma ceia, aquele tio que se recusa a cumprimentar a nora que não tem curso superior, causa um furdunço com o sobrinho que votou no partido de oposição e abre um debate sobre o fato de você ainda estar solteiro aos 40.

Falar sobre arquétipos pessoais é delicado porque, no processo de formação da personalidade, há uma linha muito tênue que impede características e valores de se transformar em paradigmas monolíticos e nocivos. Esse cenário ainda é agravado pela ideia de que uma personalidade forte, comumente associada a valores positivos como caráter, ambição, determinação e sucesso, reflete condições paradigmáticas, ou seja, modelares, estruturais e, por consequência, bem definidas. O problema é que não existem gradientes contra os quais medir os valores de um paradigma de pensamento ou comportamento pessoal além do bom senso e da opinião alheia. Sim, porque da mesma forma que  se quebra um paradigma para se "adaptar" a outros no ambiente de trabalho, mudamos a forma de pensar e, por excelência, de ser, em função do ambiente social.

Não há estatísticas para isso, mas pais e mães são o tipo de gente que mais abre a cabeça e muda de paradigma por mês no universo explorado, seguidos de educadores e amantes. Nada mais natural. Pais e mães não são donos de seus filhos. Podem nutrir expectativas, o que é altamente não recomendável para ambas as partes, mas muito cedo percebem que a cria não é apenas completamente independente deles (a tal máxima "cria-se filhos para o mundo" faz sentido, de fato), mas é principalmente outro ser, um estrangeiro com algumas características em comum com o seu "molde". E não só um estrangeiro, mas um forâneo em mutação, quebrando ele mesmo seus próprios paradigmas e tentando se adaptar a uma vida que o circunda e gira velozmente. Os pais vivem nada mais que uma ilusão masoquista de que "criam" e ensinam seus filhos quando, na verdade, é exatamente o oposto que ocorre. Filhos ensinam a mulher a ser mãe, o homem a ser um pai. E, no meio do caminho, abrem-lhes a caixola, plantando ali um universo de novas ideias e conceitos, imagens, sabores e sons que, sem a cria, jamais seriam capazes de vivenciar. Aos pais que se recusam a mudar de paradigma, restam filhos vivos, porém a eles abortados.

O papel do educador é vasto e de importância tão meritória quanto à dos pais. Na educação formal, a imagem do professor primário, aquele que marcou a vida do aluno - para o bem ou para o mal - logo vem à tona na memória. A "tia" da educação infantil não é marcante por acaso; quanto mais jovens, mais abertos estamos à influência do meio social e, por consequência, mais "elásticos" estão os nossos paradigmas em construção. Da mesma forma que pais aprendem com os filhos, alunos ensinam seus professores em semelhante, quiçá maior proporção, e por isso o educador precisa ter a mente naturalmente aberta, ser adaptável e estar sempre preparado para mudanças. Imagine uma mãe que possui dois filhos e reconfigura o seu arranjo mental para acompanhar os deles durante o escopo de duas décadas, aproximadamente. Agora, pense na adaptabilidade de um professor que faz o mesmo processo,  mas com milhares de alunos, durante no mínimo quatro décadas, a maior parte de sua vida. É redundante dizer que educadores incapazes de realizar tal processo desistem da profissão logo no primeiro ano de carreira ou são rechaçados da mesma. 

Há muitos paradigmas envolvendo o amor que, por si só, já é um conceito arquetípico. Trezentos anos antes de Cristo nascer e a terapia de casal virar uma tentativa de consertar relacionamentos à beira da falência, Platão já havia categorizado o amor. Ele é a tônica da maioria absoluta das letras de músicas e combustível para a literatura universal, o teatro e o cinema. Cada um tem a sua própria e muito particular versão do que é o amor e como alcançá-lo, e no momento em que constrói a partir desse conceito um modelo ideal, um paradigma de amor se estabelece. Mas quebrar um paradigma como esse, embora bastante comum e necessário para a realização do amor, seja ele como for, é uma tarefa hercúlea porque envolve mais do que uma mudança de pensamento; implica adaptar, moldar ou reformular a própria noção de amor romântico que nutre o inconsciente para incorporar a do ser amado e, por conseguinte, vivenciar com ele a experiência de amor.

Até pouco tempo eu temia mudanças como o diabo a cruz. A vida adulta, com o seu número incalculável delas, foi me tornando mais resistente, ao ponto da insensibilidade. "Adultecer" é, ao fim e ao cabo, aceitar que mudanças acontecerão e que você deverá se adaptar a elas. Não sou uma milennial, ou seja, "adulteci" antes do início do século XXI, o que não me confere o anseio inato pela novidade da galera do Vale do Silício. Em contrapartida, já não digo que odeio mudanças, o que é um avanço considerável; se vierem agregar valor, ampliar meus horizontes ou para me desatolar do lamaçal, serão recebidas de braços abertos, com leite gelado e cookies de chocolate. Dessa forma, a quebra do meu paradigma de amor foi um susto, mas não de assombro; mais uma surpresa, a certeza de que uma grande mudança dobrava à esquina em minha direção, devagar mas inexoravelmente.

Há quem diga que o "amor verdadeiro" não demanda mudanças, aceita o objeto de desejo como ele é. Em parte. A máxima "ninguém muda ninguém" ainda procede. Se Maria tiver que se transformar em Ana para ter um relacionamento romântico com Pedro, então Maria não pode amar Pedro. Desculpe, Maria, vida que segue. Mas daí a não mudar conceitos pré-estabelecidos e rígidos para acomodar o amor, a história muda de tom. Ainda revisito meus antigos conceitos de "amor". Gosto de tê-los guardados em naftalina, nos fundos de gavetas da memória, para comparar com a realidade e sorrir de mim mesma. Seres humanos tendem a atribuir explicações extraordinárias ou românticas ao que lhes faltam respostas lógicas, o que não raro acontece com o amor. Por que ele, por que agora, como assim? Porque era para ser, porque estava na hora, porque parecia amor... e era.

4 comentários:

  1. Gostei bastante do seu texto, e me trouxe muitas questões e indagações que tinha comigo mesmo em minha infância, tinha a muito aquele sentimento de "não é possível, devo ser de outro mundo"... Vivemos em torno de muitas pessoas que são de fato um grande reflexo dá sociedade, pra mim parecia uma coisa lógica, estudar, questionar e pensar no que dê fato meus pensamentos deveriam atribuir mais algum tempo de reflexões, assim como o faço até os dias de hoje, pensando comigo mesmo, descobri que na verdade o mundo é como eu julgo ele, tento sempre melhorar e pensar o melhor dele, para poder enviar e atrair o melhor dele pra mim, grandes mudanças, por mais que turbulentas, se mostraram grandes oportunidades, aprendi que amar não é se completar, mas sendo um copo de água cheio, se juntar a outro copo cheio e se transbordar... Atualmente com excessão de continuar estudando tudo que acho de interessante, estou fazendo minhas bodas alquímicas, causando harmonia com minha mente subjetiva com a objetiva,e diversas vezes nesse processo, penso em diversas questões contidas no seu texto, muito interessante!!

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  2. Exatamente, Vagner! Bom saber que tem mais gente nesse mundo que não é desse mundo! E aos poucos a gente vai entendendo que não pertencer não é um crime. Às vezes só estamos "deslocados". Noutras, mudamos um pouco, adaptamos e... puf! A mágica acontece. Adorei o seu "bodas alquímicas"; muito bom! Posso usar o termo numa próxima crônica? Bem-vindo ao Expresso! Espero tê-lo sempre aqui, e ler mais seus cometários.
    Abraço de urso pra ti!

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  3. Olá Roberta, tenho que responder rápido porque estou no café rsrs, mas enfim, acho injusto eu permitir algo que não me pertence, aliás é de todos nós, acho que deve usar, é tema de algo muito profundo que é nosso inconsciente, mas pela forma que escreve, tenho certeza que não vai ser nada difícil pra você; tornando a pergunta " Qual o próximo trem para depois de amanhã" eu te responderei "last train home" do PAT Metheny, não tem nenhuma letra, mas tenho certeza que te trará muitas lembranças!! Abraços!!

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  4. Tá certo, Vagner, meu amigo. Que seja, então, "the last train home". A casa. Sempre ela. Abração, querido!

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