8 de março de 2011

Eu e as Pessoas [Into The Wild]


Numa troca de emails recente com minha antiga colega de faculdade, Dona Carime, seguidora aqui, estávamos a falar sobre o blog e sobre como as pessoas chegam e nos acrescentam idéias e vivências que, de alguma forma, podemos tomar para nós e criar algo novo. Ela ressaltou um trecho meu de uma de nossas conversas e pediu que eu fizesse algo, qualquer coisa, com ele. E tenho pensado particularmente naquelas palavras essa semana. É preciso, pra mim principalmente, que eu me faça ao me agregar, agregar ao alheio, que me desperte o que é meu, porque sozinha as palavras ficam presas a mim e não conhecem o seu caminho pelas folhas.

Minha vontade de finalmente fazer algo com essas palavras coincidiu com o fato de que resolvi assistir ao filme "Into The Wild". Digo "resolvi" porque pra mim era um desafio. Eu tinha muito receio de assistir a ele. As pessoas sempre me diziam: "Nossa, Ivy, você tem que assistir, é a sua cara, o personagem é muito você". Eu já conhecia o tema, a história real, a trilha sonora de cor, e muitas passagens, mas nunca havia assistido ao filme em si. Então hoje eu assisti. Claro, sim, é um excelente filme, de harmonia suficiente pra criar sentimentos reais ao assisti-lo, é isso que me faz gostar de um filme. Mas hei de explicar que me sinto aliviada, porque eu, definitivamente, não estava ali. E entendo a razão de tanta gente ter me visto nele. É curiosa e fascinante a sistemática dos ciclos, e hoje eu percebo, claramente, que aquilo que eu proclamava ser minha maior chaga, na realidade é meu maior privilégio: a precocidade. Sim, não fosse ela eu ainda estaria lá. Outros clamam ser não minha precocidade, mas minha intensidade, isso de queimar tudo o que há nas minhas fases, de uma vez. Mais curioso e fascinante ainda é que quanto menos preciso das pessoas, mas eu gosto delas. Precisar eu digo como aquela necessidade que se tem de pessoas como se tem de sapatos e celulares novos, no geral pra preencher vazios que nada têm a ver com o alvo. Precisar das pessoas nesse sentido é sempre angustiante.

Quando eu cresci e descobri que existiriam mais que pessoas que não meus pais, e elas se tornaram imperativas, eu fiquei então frenética por elas, frenética pelos meus vazios. Quando cansei disso comecei com a conversinha de odiar todas, todas elas mesmo; assistia ao Matrix e vibrava com o Dr. Smith: "A humanidade é um câncer". Okay, adolescência. Depois eu decidi que só gostava de algumas, claro, tinham que ser só as que eu julgava parecidas comigo. São fases, eu sei, é natural que muitos passem por elas, mas eu fui muito a fundo em cada uma. Hoje, assistindo ao filme, eu desgostei do Chris McCandles em muitas passagens, mas depois vi que não foi dele que eu desgostei, foi de coisas que eu vejo imperando nas relações a todo momento. Todo mundo sente aquilo, em algum momento, havia uma prisão inteira que ele precisava romper, ele realmente precisava romper, e esse é um verbo que me agrada. Existem várias formas de romper e mergulhar "na natureza selvagem" e ver "o homem nas suas condições mais antigas", é uma busca que nunca tem fim, e nunca deverá ter. O que se vê pelo caminho já é o próprio encontro, esse espírito de busca não tem de ter destino, a busca deve ser incessante, e o caminho já é o resultado dela, isso é um tipo de liberdade.

Mas o que me entristece é que o mundo depende tanto daqueles que enxergam, mas aqueles que enxergam procuram se cegar. As pessoas querem romper com as jaulas feitas pra elas, e pra isso constroem outras jaulas, só delas. Saem de uma doutrina de vida, sob a qual foram conduzidas, pra entrarem em outra; é igual ao fanático político criticando o fanático religioso, eu não sei onde está a diferença entre eles. Aqueles que detectam as doenças da sociedade imediatamente detectam-se como não infectados, ou procuram se desinfectar, colocando-se como detentores de uma verdade superior. A verdade das doenças da sociedade não é de alguns, são verdades que existem independentemente de quem as enxergue, enxergá-las pode fazer de alguém especial, mas não maior. Mas a situação está tão doente, como a vejo, que essas pessoas e seus olhos conseguiram ficar ainda mais doentes que tudo aquilo que criticam. Na verdade elas são tão, ou mais, fracas quanto a fraqueza que enxergam no alheio. Se há algo errado com a sociedade como ela é, fogem então dela, se há algo de errado com as cidades, escapam pra destruir outros campos então, se há algo de errado na forma como que se tratam os filhos, não têm mais filhos, se algo de errado com o casamento, não se casam mais. Simplesmente não fazem nada, alegando que não aceitarão nada imposto, criam outras tradições e impõem a si mesmos e aos demais esses padrões. Eu reconheço, claro, as lutas pessoais, como a de Chris, para se encontrar num sentido maior do que é em sociedade, saber quem é sozinho, aliás, não só reconheço, mas aprecio essa atitude, e provavelmente ele morreu antes que pudesse fazer algo a mais sobre o que pensava.

Há vidas e mais vidas esperando entrar em contato com algo concreto sobre o que está latente nelas, e são essas as pessoas as que mais privam a humanidade de avançar, reciclar-se, compor-se novamente, ao não passarem pra frente seus pensamentos com o mínimo de consideração. Chris morreu e suas palavras ficaram conhecidas, mas a sua luta pessoal é na realidade mais um filme, aquelas pessoas cujas vidas ele afetou no meio do caminho é que viveram e, provavelmente, ainda vivem o que ele foi e pensou, na forma como ele as afetou. Aqui de onde vejo o que acontece com o caminho dessas pessoas é um rastro de tristeza, saudade e muita privação. Não sei até aonde podem chegar mais prisões como essas. As pessoas sentem-se mal pela forma com a qual tratam sua saúde, pelo ritmo de vida, pelas cidades onde moram, e criam então prisões de chás e academias e trilhas anuais pela mata. Eu não. Eu quero ficar, quero ficar e não me calar, e não precisar calar ninguém, quero que todos falem e cruzem o meu caminho, o sábio e o ignorante, o velho e a crianças, eu fico e vou errando sem disfarçar, vou cuidando de me espalhar, de me agregar, vou deixando que me toquem e me revelem, não vou rindo de desgraça, não, mas vou porque é preciso se encarar, aqui dentro, ver que cara que se tem, em que caras se reconhece. Eu fico pra fazer de outra forma, e fico sem discurso nem dogma, de nenhum dos lados.

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