7 de dezembro de 2010

é conversando...



Comunicação é uma das habilidades mais notáveis do ser humano. A gente fala, gesticula, faz sinal de fumaça, grita, sussurra, fala com os olhos, com a cabeça, com o corpo inteiro. Não há como não citar aquele sujeito lá do início da década de oitenta, que deu fama à Gretchen e à Rita Cadillac e adorava uma buzina: "quem não se comunica, se estrumbica". O ditado do "velho guerreiro" vem bem a calhar quando, por exemplo, você está perdido, em pleno trânsito, na hora do rush de São Paulo. Ou quando o almoço no restaurante do bairro caiu mal, você está em plena Avenida Ayrton Senna e precisa desesperadamente de um banheiro. Agora, imagine que sua esposa teve acesso, miraculosamente, à sua senha de email e acabou de ler todas aquelas mensagens "estranhamente" românticas de uma certa "eternamenteSua". Quer dizer, você há de querer possuir incríveis habilidades comunicativas para explicar para a sua mulher, em tempo hábil e a tempo de se desviar do cinzeiro de cristal de cinco quilos que ela lançou em sua direção, que "eternamenteSua" é provavelmente um vírus que driblou o McAfee do computador e agora planeja destruir o casamento de centenas de casais honestos, incluindo, "veja só, meu bem, a gente".

No local onde trabalho, há um mudo que só entra para comprar tinta de cabelo preta. Dia desses parei para observar como ele prosseguia, ou melhor, como prosseguiria a funcionária que o atendeu. Naquele dia, ele não queria tinta preta. Desejava inovar. O que presenciei foi assombroso. Resumo da ópera: o rapaz conseguiu se fazer compreender, ser auxiliado na escolha da melhor coloração, optar pelo exótico "chocolate acobreado irisado profundo", ir ao caixa e se despedir, tudo em menos de cinco minutos. Quer dizer, o cara não usa palavras para se comunicar e consegue escolher uma tinta diferente da habitual em menos tempo do que uma mulher em posse de suas plenas faculdades verbais! Esse não vai se estrumbicar nunca.

Meu pai é um sujeito meio calado, que dá conselhos e faz previsões cabalísticas. Não. Não é bem assim. Na verdade, acredito que ele tenha qualquer poder sobrenatural porque, entre dez coisas que ele diz que podem acontecer a você numa situação em que lhe aconselha, nove saem exatamente da maneira como ele "previra". De uns tempos para cá parei de pedir conselhos a ele. Vai que a coisa sai do jeito como ele aconselha, e não da maneira como eu idealizo... Enfim, meu pai nunca foi fã do "velho guerreiro". A bem da verdade, nem assistia à televisão naquele tempo e nunca escondeu de ninguém o fato de achar o Chacrinha um chato. Além de não assistir ao programa do sujeito, meu pai sempre discordou radicalmente do lema que ele usava. Entretanto, papai nunca se estrumbicou na vida, pelo menos não tanto quanto eu, que me comunico até demais. Hoje me pergunto se ele, assim como o rapaz mudo das tintas, não é dotado de uma maneira própria de se comunicar, sem que a gente "ouça".

O fato é que cresci ouvindo três mandamentos do meu pai. E ouvi tanto que escuto cada palavra ressoar aos meus ouvidos mesmo hoje, quando ele já desistiu de me fazer seguir os tais mandamentos à risca. O primeiro, que comecei a ouvir por volta dos seis, sete anos, era simples e sábio: "Quando um burro fala, o outro baixa a orelha". Acho que eu devia interromper muito as pessoas naquela época. O segundo, mais complexo e bem mais difícil de se seguir, começou a fazer parte do meu repertório lá pela adolescência: "Fale pouco, escute mais. Se puder, nem fale. Só escute". É. Papai era hardcore. O terceiro, um gancho de direita na minha cara linguaruda, é mais recente: "Em boca fechada, não entra mosquito".

Lembro-me de um episódio hilário, envolvendo minha mãe, meus pai e os seus "mandamentos". Tínhamos encontrado um antigo conhecido de passagem pela rua, alguém que não víamos há séculos. Foi tudo muito rápido e muito embaraçoso. O cidadão, bem confortável em seus cinqüenta e tantos anos, abraçava pelos ombros uma jovem de, no máximo, um quarto de século de idade. Como não conhecia nenhum dos dois, sorri educadamente e guardei silêncio. Mas minha mãe, de quem seguramente herdei minhas habilidades sócio-comunicativas, sorriu e comentou, no auge de sua amabilidade: "Sua filha é linda! Eu não a conhecia". É óbvio que o infeliz, de uma tez morena de sol do Rio de Janeiro, ficou meio pálido e gago quando teve que nos explicar que a moça era sua namorada. A filha estava na Bahia... Meu pai saiu à francesa e me puxou pela mão. Minha mãe ficou com o casal por mais meia hora, só para desfazer o mal-entendido. Na caminhada de volta, ainda ouvi papai dizer: "Quanto mais se fala, maior é a chance de se parecer idiota e dizer besteiras". Eu ri um bocado da minha mãe naquele dia, mas me senti culpada depois. Afinal, poderia ter sido eu a fazer o comentário inoportuno.

Pensando bem, ter citado minha mãe em contrapeso a meu pai não foi a melhor das idéias. Afinal de contas, ela ainda incorre no mesmo e antigo erro de perguntar pela mãe de alguém e escutar, embaraçada, que esta morrera há dois anos. Em outras palavras, não faz muito sentido alocar nos pratos de uma mesma balança pessoas que estão em extremos separados por um abismo de diferença. Acaba-se perdendo a referência do que se queria "pesar" em primeiro lugar. Sei que algumas pessoas compartilham da noção do meu pai de falar o estritamente necessário, apenas quando necessário. Rubem Alves, por exemplo, diz que é conversando que a gente de desentende. Manoel Bandeira tem uma poesia que diz que as almas são incomunicáveis, e que os amantes "azedam", por assim dizer, o convívio e o amor quando insistem em se comunicar. Por outro lado, que valor têm essas afirmações, vindas de pessoas que vivem da comunicação e da auto-expressão?

Particularmente, sempre temi muito mais as palavras engolidas do que as ditas. Não vejo tanto perigo em falar ao outro, desde que haja boa fé por parte do emissor e receptividade do ouvinte. Mas vejo uma ameaça terrível no silêncio, nas palavras truncadas, nos subterfúgios, nas manobras de oratória e, mais precisamente, em se dizer algo completamente diferente do que se pensa. Como o "velho guerreiro", também acredito que perdemos muito mais em não nos comunicar do que nos comunicando. Entretanto, falar com o outro só vale a pena se houver sinceridade e transparência no diálogo. Do contrário, não haverá diálogo, mas sim, um discurso político manjado. Redundante dizer que sinceridade e transparência expõem muito mais quem diz alguma coisa. Não é de se espantar que a maioria das conversas que travamos diariamente sejam veladas. Quem quer ter a sensação de estar nu, em praça pública, sob o sol do meio-dia? Nesse sentido, falar pouco, manter silêncio e ouvir atentamente são estratégias infalíveis na comunicação. Mas, por outro lado, onde há estratégia, há batalhas, e a comunicação tem por princípio básico o entendimento comum, e não a guerra. É como sempre digo: o segredo de muita coisa, se não todas, está no caminho do meio, e não nos extremos separados pelo abismo. O diacho é que a gente se perde entre os extremos e não consegue encontrar o tal caminho do meio, em plena hora do rush da vida. Então, alguém aí poderia me dar uma informação...?

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