14 de abril de 2011

romântica? eu?

Para Alberto Lacerda, Priscila Rohem, Eduardo Sumares e Marcelo Akstein

Em conversa com um amigo deparei-me com a seguinte pergunta: "Você é uma mulher romântica?" Bem, é preciso contextualizar a situação para a história não correr o risco de cair no abismo do absurdo e do nonsense existencial. A prosa acontecia no confortável, mítico, esterilizado e igualmente nonsense reino do virtual: o MSN. Confortável e esterilizado porque você pode, por exemplo, debater política e filosofia ou simplesmente flertar com o seu interlocutor em trajes sumários e protegido pelo imaculado monitor de LCD do seu computador. Conheço uma mulher - iria dizer "amiga", mas, às vezes, meu bom senso funciona e lembro-me de que não escrevo sob um pseudônimo - que só vai ao banheiro com o notebook em mãos. Pondero se a amiga, digo, conhecida em questão, teria manias de grandeza ou, para ser mais específica, manias de majestade; ela diz que não há atividade mais libertadora do que bater papo confortavelmente sentada ao "trono". Por essas e outras é que sociólogos ainda detém lugar cativo no hall dos intelectuais de voz ativa; afinal tudo pode ser relativo, até mesmo uma conversa virtual à mais que real latrina. E, se houver hackers de plantão, o chat na privada, de relativo, passa a público num piscar de algoritmos.

O caráter mítico e nonsense das relações pessoais através da internet é auto-explicativo. Em matéria publicada pela revista "Veja" em 6 de abril, a repórter Bruna Stuppiello afirma que "as chances de achar uma paixão na internet são 42% maiores do que as de encontrá-la num bar ou numa festa". A reportagem é recheada de estatísticas e opiniões de especialistas, mas o tom mítico está nos depoimentos de casais que se conheceram no mundo paralelo dos três dáblius, encontraram-se pessoalmente em seguida, enamoraram-se, casaram e passam muito bem, obrigada. Mostrei a reportagem para algumas pessoas que mal têm acesso à internet, todas compromissadas à moda antiga, leia-se, conheceram seus parceiros e parceiras na escola, no trabalho ou na comunidade em que vivem. Bar? Festa? "Todo mundo sabe que esses lugares não rendem namoro, só farra", foi o que me disseram. Para essas pessoas, "achar uma paixão na internet", com 42% de chances a mais de sucesso é, no mínimo, algo fora de sua realidade e, obviamente, uma prática nonsense das mais elaboradas.

Meu amigo e eu nunca nos encontramos pessoalmente, mas posso afirmar que nossa relação de amizade é sólida, ainda que virtual. Ele teclava de seu escritório; eu, da escrivaninha do quarto, detalhes que nos salvam do hábito sui generis de bater papo na "casinha". E tec-tec daqui, tec-tec de lá, ele me pergunta se sou romântica. Esse é o tipo de pergunta que suscita reflexão; a mente vagueia para o passado e ilumina cantos escuros da memória, que se julgava abandonados há muito. Como eu demorava para responder - postei-me diante do monitor, as mãos sob o queixo, balançando os pés e com as sobrancelhas franzidas em concentração - meu amigo decidiu reformular a questão: "Você é mais prática ou mais sensível?" Desta vez a resposta veio automática; praticidade e sensibilidade não se opõem, não são características antagônicas em si mesmas. Ou seja, uma pessoa prática não é necessariamente insensível e vice-versa. Ainda evadindo o terreno do romance, completei minha idéia afirmando que senso prático nunca fora o meu forte; é na intuição e na passionalidade que tenho mais espaço para respirar e para sair à luz do dia sem as máscaras pesadas do bom senso.

"Romance in Red", Alfred Gockel

O escudo do espaço virtual, embalsamado pela distância física real e pelo ostracismo auto-infligido, é mais que confortável; é conveniente. Imagino meu amigo, do outro lado do monitor, do outro lado do Estado, do outro lado da minha realidade, perguntando-se porque diabos eu não respondia a uma pergunta tão simples. Se estivéssemos frente a frente num café, num banco de praça ou na praia, não seria tão fácil para mim sofismar. Fiquei olhando para a tela, pensando que desviar do assunto daquela maneira poderia ser impróprio. Não que eu tenha evocado um código de ética para internautas tagarelas, até porque "ética" e "internet" não constituem universos intercambiáveis. O fato é que fugir do assunto cheira-me à ilegitimidade, seja no plano virtual ou no real. Não refletir, não responder e tomar o caminho mais fácil; nada disso sou eu.

Cabe aqui o registro de uma conversa - esta, plenamente real, ao vivo, em carne e em cores - que presenciei entre amigos. Ela, uma jovem doce, determinada e corajosa, diz que é importante que as mulheres sejam emocionalmente fortes, que não encarnem o papel da fêmea frágil, insegura, ciumenta e dependente. Ele, um homem de opiniões fortes, difícil de dobrar, concorda com ela, mas faz uma ressalva: a mulher precisa ser segura de si, dona de uma vida própria, mas não deve se permitir ser afetivamente independente. Ela aprendeu na prática que a auto suficiência é o caminho para a sobrevivência e para a realização pessoal. Ele aprendeu na teoria e através da observação que a auto suficiência afetiva rima com introspecção e incapacidade de se envolver. Eu e um quarto amigo ouvíamos calados, resguardando nossos apostos para quando chegasse a hora de abrir outra garrafa de vinho. E no entremeio, perguntava-me onde, nessa ciranda de independência, afeto e entrega, poderia ter se escondido o romance.

Ao meu amigo virtual respondi que personalidade romântica é relativo. Se me conhecesse melhor, ele detectaria de imediato minha pior manobra retórica: dizer que algo é relativo. Venhamos e convenhamos, sociólogos e noves fora, nada é relativo, tudo é absoluto e relativizar é uma maneira bacana e acadêmica de tapar o sol com a peneira. A pergunta "você é romântica?" levou-me a pensar se a moça da conversa que relatei é romântica; se o seu interlocutor alguma vez já se permitira ser romântico; se o namorado dela, um jovem que ama cozinhar e tocar piano, é romântico; se eu, uma criatura passional e emotiva, sou romântica. Mas, afinal de contas, o que significa ser romântico?

(ro.mân.ti.co) 
adj.
1. Relativo a romance;
2. Que tem alguma coisa de fantástico como o que se descreve nos poemas e nos romances;
3. Próprio para as cenas amorosas ou romanescas;
4. Sonhador, devaneador, fantasioso;
5. Diz-se de pessoa de modos cavalheirescos ou poéticos, que se eleva acima da realidade prosaica;
6. Diz-se dos escritores ou artistas cujas obras se afastam do estilo clássico;
7. Diz-se das obras desses escritores ou artistas;
8. Diz-se do que evoca o estilo ou os temas característicos do romantismo;
9. Pejorativo. Piegas, excessivamente sentimental.


Se você esperava que o vernáculo definisse "romântico" com algumas características do personagem de Richard Gere no filme "Uma Linda Mulher", de 1990, caiu do cavalo. As definições de número 4 e 9, pessoalmente, doeram para ler. Quando e por que ser romântico tornou-se piegas e sinônimo de fantasioso? Será que é tudo culpa do Wando, das brochuras "Sabrina" e de Hollywood? Falando do diabo, acaba de me ocorrer um exemplo que ilustra essa "ser ou não romântico: eis a questão". O filme "O Espelho Tem Duas Faces", dirigido e estrelado por Barbra Streisand, em 1996.


Rose Morgan (Streisand) e Gregory Larkin (Jeff Bridges) são professores da Universidade de Columbia e ambos compartilham uma visão cética do amor e do romance. Entretanto, há uma diferença entre eles: Rose, mestre em Literatura Inglesa, é otimista e esperançosa; Gregory, o nerd da Matemática cansado de ter sua vida prática importunada pelas subjetividades do amor, acredita que a única forma de manter um relacionamento verdadeiro e duradouro é através da amizade, excluindo-se o romance, o sexo e a entrega passional. O professor vê em Rose, uma mulher inteligente, generosa e sensível, cuja auto-estima é dilacerada pelo relacionamento débil com a mãe (Lauren Bacall) e a irmã (Mimi Rogers), a companheira perfeita. "O Espelho Tem Duas Faces" é, bem, um filme romântico, dirigido por uma mulher e, para quem se sente confortável com rótulos e categorias, ainda que vãs, um filme para mulheres. Entretanto, o enredo aborda, sobretudo, a quebra de paradigmas pessoais e de certezas absolutas. Não demora muito para que Rose se canse de interpretar o papel da mulher rejeitada e auto-piedosa, que come vorazmente para cimentar buracos em sua identidade. Ela se apaixona por Gregory que, cego em suas convicções e temeroso de se entregar ao "romance", insiste em manter uma relação de distante e polida amizade com a esposa. Mas Rose quer mais. Quer romance, paixão, suor, loucura, entrega apaixonada; quer o pacote inteiro.

Mas, o que é o pacote inteiro? Surpreender a amada com uma centena de rosas, balões de hélio em forma de coração, ursos de pelúcia e caixas de bombom? Vestir uma fantasia de pin-up e dançar à luz de velas no Dia dos Namorados? Escrever bilhetes apaixonados e escondê-los pela casa, até que o(a) amado(a) os encontre? Fazer declarações de amor inflamadas diante de trinta colegas de trabalho mais descrentes que São Tomé? Fechar uma Tiffany e pedir que ela escolha o solitário de brilhante que desejar? Brigar às vésperas do Natal, deixá-la partir e, arrependido e miserável, tomar um táxi até o aeroporto, antes que ela embarque, só para dizer que a ama? Escrever "você é o meu docinho de coco" em outdoors pela cidade? Alugar um carro de som com mensagens, músicas do Lionel Richie, cornetas e chuva de prata no aniversário dele? Não sei ao certo. Todos os exemplos acima já apareceram em pelo menos dez filmes do gênero. Ocorre que eu tendo a desconfiar de tudo que pertence a um certo gênero, que é agrilhoado por rótulos e despersonificado por categorias. E talvez porque o "romance" esteja já tão rotulado e vazio de significados próprios, seja tão difícil pensar o que é romance para mim, para os meus amigos, para você.

Sou do time da moça que acredita que a mulher deve ser independente e que não vence o jogo mostrando fragilidade emocional. Mas penso, assim como ela, que por mais forte e intrépida que uma mulher seja, haverá sempre momentos em que o cuidado, a companhia e a dedicação de um homem serão insubstituíveis. Cartas de amor me apetecem. Ao Fernando Pessoa também, tanto que ele achava ainda mais ridículo que uma carta de amor aquele que jamais escrevera uma. Flores em ramalhetes e bouquets não me enchem os olhos, a não ser que estejam vivas e que possam ser vistas num passeio pelo campo, de mãos dadas. Ler a dois, compartilhar uma refeição, assistir a um filme e dividir a mesma cama, seja no inverno ou no verão, são o supra-sumo do romantismo para mim. Cavalheirismo também; afinal, não custa nada abrir a porta do carro e do elevador e puxar uma cadeira para as "românticas". Romântico é o simples, o espontâneo e o gratuito. Para iniciar uma descarga de adrenalina no sangue, outra de serotonina e dopamina no cérebro e fazer as mãos suar frio, ninguém precisa encenar o último ato de "Romeu e Julieta" na sala de jantar. O romance nasce da legitimidade dos atos de quem tem coragem suficiente para revelar que ama ou que está apaixonado. Piegas é engolir o sentimento a seco e, por medo de virar estatística, deixar de expressar o amor, a paixão, o desejo e as expectativas pelo outro. E já que tenho mais medo de almas penadas do que de rótulos banais, termino com o Lulu: "(...) talvez eu seja o último romântico dos litorais desse Oceano Atlântico. Só falta reunir a zona norte à zona sul; iluminar a vida, já que a morte cai do azul (...)".

14 comentários:

  1. eu gostei, sim.
    mas ando preferindo negar esse lado romântico.
    estou deixando pra impulsivos como vc... por enquanto, meu lado passional está tomando banhos de águas polares todo dia. =P
    quando vc vai me ligar pra gente se encontrar, hein? vc é impossível!

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  2. Pri Rohem14.4.11

    Beta, respondo com Rita Lee:
    Juro que não vai doer
    Se um dia eu roubar
    O seu anel de brilhantes
    Afinal de contas dei meu coração
    E você pôs na estante
    Como um troféu
    No meio da bugiganga
    Você me deixou de tanga
    Ai de mim que sou romântica!
    Quando eu me sinto um pouco rejeitada
    Me dá um nó na garganta
    Choro até secar a alma de toda mágoa
    Depois eu passo pra outra
    Como mutante
    No fundo sempre sozinho
    Seguindo o meu caminho
    Ai de mim que sou romântica!
    Kiss baby, kiss me baby, kiss me
    Pena que você não me kiss
    Não me suicidei por um triz
    Ai de mim que sou assim!

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  3. Pri Rohem14.4.11

    ps.: Adorei a dedicatória!!! Bjs

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  4. Mi, eu sou passional, impulsiva e impossível!

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  5. Pri, obrigada, querida. Você merece essa dedicatória!

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  6. Alberto Lacerda14.4.11

    Roberta,em primeiro lugar, queria agradecer pela dedicatória.Tive que reler pra acreditar que era mesmo meu nome.Segundo, dizer que concordo plenamente que nossa relação de amizade,é de fato muito sólida,como você mesma disse,ainda que virtual.Agora vamos ao comentário,rsrs.Você sabe, desde que conheci seu trabalho,virei um admirador de suas sempre belas e bem colocadas palavras,e,consequentemente ,um admirador da Roberta.Nunca imaginei, que, uma simples pergunta,aliás, à princípio simples,mas que acabou tornando-se aparentemente complexa, “ Se estivéssemos frente a frente num café, num banco de praça ou na praia, não seria tão fácil para mim sofismar. Fiquei olhando para a tela, pensando que desviar do assunto daquela maneira poderia ser impróprio”. Pudesse ser o tema dessa maravilhosa crônica.Diante disso, fiquei ainda mais encantando com seu trabalho,porque,mesmo através de um descontraído bate-papo você consegue criar uma crônica tão bela e apaixonante,quanto a própria autora.E por fim, também termino com o Lulu: (...) “Chego a ficar sem jeito ,Mas não deixo de seguir ,A tua aparição;E quando um certo alguém,Desperta o sentimento,melhor não resistir,E se entregar . (...)

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  7. É justamente de um simples bate-papo com um amigo, ainda que à distância, que podem surgir os melhores temas para escrever. Para isso, só é preciso que estejamos atentos, de olhos, ouvidos e peito abertos para as sutilezas e singularidades do outro. Eu gosto de gente, Alberto, e admiro cada idiossincrasia que faz das pessoas as peças únicas que são. Obrigada pela admiração, pelos comentários e pela amizade. Abraço grande!

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  8. Amanda27.4.11

    Adorei seu post!
    Vou visitar seu blog sempre que puder!
    Foi um prazer conhece-la Beta! ;)

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  9. Obrigada, Amanda! O prazer, imenso de fato, foi meu. Beijo grande!

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  10. Amanda28.4.11

    É bem verdade que li um post desatualizado né? Mas o importante é que ele tinha tudo a ver com nossa conversa! Hahahaha! Só me dei conta agora... Mas tudo bem... Estava atordoada depois de fazer a bendida declaração de imposto de renda! Rs! Assim que tiver um tempinho volto pra ler os "posts" recentes! Um lindo dia pra você!!!

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  11. (...rs) É verdade, Amanda. Tem tudo a ver com a nossa conversa, de fato. Então o post não está desatualizado, não é mesmo? Um dia ainda mais lindo e azul para você, moça!

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. Sou do clube das românticas e passionais, mas acredito que uma bela dosagem de amizade, não fazem mal algum a uma relação!!! Amei o texto, pois a medida que a leitura avançava, sentia-me presa as linhas a minha frente!!!! A partir de hj, certamente serei visitante constante dessa página!!! Parabéns,msm!!! :D

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  14. Olá!
    Que bom que se identificou com o texto. Em verdade, é isso que alimenta a fonte criativa do autor. Seja bem-vinda ao Expresso e, sempre que puder, comente, comente, comente!
    Abraço grande!

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