5 de junho de 2011

a passagem

Para Caroline Rohen, neta do tio que eu mais amo.


Nunca escrevera uma letra de música antes, muito embora a música seja, depois das palavras, a minha grande paixão. A bem da verdade, esse argumento não cola; música é uma coisa, literatura é outra; a rigor, não faz sentido hierarquizá-las. No entanto, vez ou outra surgem poetas iluminados que, além das letras, enfeitam a poesia com uma melodia que é como prece silenciosa, ainda que retumbante. Canções como "Chão de Estrelas", do Silvio Caldas, "Cabelos Brancos", do Herivelto Martins, "Sem Fantasia", do Chico Buarque e "As Rosas Não Falam", do Cartola, fazem-me pensar que poesia e música nasceram gêmeos univitelinos, entretanto separados pelo tempo, pelo sampler, pelo jabá.

Algo me diz que falar sobre música aqui vai-me dar mais trabalho do que falar sobre bullying e política. Eu, entusiasta da velha-guarda, posso ofender sensibilidades que vêem na moderna música popular a união de poesia e melodia que sinto nessas canções com cheiro de naftalina. De qualquer forma, fica aqui registrado um pedido atendido à minha prima, que vai participar de um festival de música. A melodia, a voz, a simpatia, a presença de palco e a beleza são, claro, desta garota de 17 anos, puro carisma moreno e olhos rasgados de índia. A poesia é minha. Se vai dar samba, eu não sei. O próximo tema é "saudade" - cada participante tem direito a se inscrever com duas canções. Suspirei fundo quando Caroline atirou-me à queima roupa com esta: saudade... Dá para fazer poesia, com métrica e rima, com um sentimento tão grandiloquente, que dá tanto pano para manga e assunto para mais de metro? Não me custa tentar. Quem sabe a dor da saudade - sempre presente porque onipresente é o tempo e inexorável a sua passagem - não faz brotar uma letra banhada em luar, que emocione aos ouvintes? Oops. Leitores.

A PASSAGEM 
(Composição: Roberta Rohen e Caroline Rohen)

Olha nos meus olhos, repara
Que neles brilha a lua cheia de mulher
E as estações mudam devagar
Mas a parte secreta ‘cê não sabe
Guarda a menina que vive a sonhar

Essa vida é peão, trem-bala
Que a gente custa a acompanhar
Porque deita na relva verde do quintal
Deixa o sonho virar nuvem e poeira
E esquece que o tempo pode ser rival

Ah, se pelo menos fosse fácil 

A passagem do que eu era
Pra aquela que eu vou ser
Ah, se pelo menos não doesse
Escolher a estrada pra onde eu vou crescer

Ontem de mãos dadas com meu pai
Olhava os passos grandes que ele dava
Hoje eu estico os braços pra unir
A menina esperta que eu fui
E a mulher que agora sinto fluir 

Porque o tempo e o vento são gêmeos
Que sopram as lembranças pra longe 
Vão abrindo caminhos e portas
E quem decide fazer o seu destino
Não pode escrever linhas tortas

Ah, se pelo menos fosse fácil
A passagem do que eu era
Pra aquela que eu vou ser
Ah, se pelo menos não doesse
Escolher a estrada pra onde eu vou crescer

Boa sorte, Caroline. 

2 comentários:

  1. Como sempre, suas palavras são belas. E eu, só tenho que te agradecer, e muito! Grande beijo...

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  2. Grande beijo, preta mais linda do mundo. Agora é só esperar pelo "saudade". Quase pronto. Beijos, beijos, beijos...

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