8 de junho de 2011

de encruzilhadas e pipocas

Pour un grand enfant.
Un voyageur.
Un découvreur de sentiers.


Adoradores de clichês possuem um especial que constantemente lembro quando me encontro aboletada em alguma encruzilhada do destino: "pessoas entram em sua vida por acaso, mas não por acaso permanecem nela". A bem da verdade, não tenho uma opinião plenamente formada sobre o destino; mas tenho certeza de que encruzilhadas, figurativas ou não, existem. Algumas seriam tão solitárias ao ponto de dar dó, se não fosse pela presença das placas indicando inúmeros caminhos: a múltipla escolha do livre arbítrio da caminhada; outras, nem placas possuem. Nessas, o melhor que o viajante pode fazer é molhar o dedo indicador, apontá-lo para o alto, olhar para o céu e esperar sentir para que direção o vento o levará - não ao dedo, mas a si próprio, tal qual a uma pluma.

Também há as encruzilhadas adornadas com espantalhos, os fantasminhas camaradas (ou não) do passado. Tem encruzilhada com prato de farofa e garrafa de cachaça; esses adornos, quando os vejo, chuto-os. Para fazer como reza o dito popular; ou para provar para mim mesma que mandinga ruim vale tão pouco quanto mandinga boa. Encruzilhadas, por diferentes que sejam, são sempre um pit stop da vida: se você não parar de bancar o Forrest Gump, não cessar a corrida por um tempo e não pensar para aonde vai, acaba enraizando-se por ali mesmo e virando árvore. Ou espantalho. Ou, o que é mais patético, transformando-se nas próprias placas indicativas. Porque é mais fácil apontar o dedo para o outro e dizer: "por ali", do que colocar as mãos no peito, ouvir mente e coração e sussurrar para si mesmo: "vai". 

Por vezes me pergunto se destino, acaso e sorte - ou azar, o revés daquela - não seriam todos elementos idênticos. Esse é o tipo de metafísica que, por mais que me agrade, escapa à minha compreensão. E igualmente à minha paciência, confesso. Já queimei tanta mufa pensando nisso que, nas encruzilhadas em que caí - ou nas que despencaram sobre mim - deixei de caminhar. Virei musgo em cabeça de gárgula. Ah, sim. Esqueci de mencionar: além de placas, espantalhos e macumba, também há gárgulas em certas encruzilhadas. Parar para refletir, reescrever o... destino?, e decidir é preciso. Entretanto, empacar e tornar-se uma briófita ou craca de navio é altamente desaconselhável.

De qualquer maneira, não era bem sobre isso que desejava falar: destino, acaso, musgo, espantalhos. É sobre o clichê da segunda linha deste texto. Tenho uma ressalva a ele: é nas encruzilhadas que as pessoas entram em sua vida. E, saindo do cruzamento com você, é que permanecem nela. Talvez o destino seja a própria encruzilhada; talvez o fato de alguém entrar em sua vida para ficar já esteja associado ao intervalo do seu pit stop, que você realizou apenas para olhar, para de fato enxergar esse alguém. Tenho para mim que, na velocidade da corrida e na rotina autômata dos dias, ninguém consegue se ver nem se tocar, muito menos entrar para a vida um do outro. É na encruzilhada, no novelo das linhas tortas e entre os nós dos caminhos que as pessoas abrem os olhos, vêem a si mesmas a às outras e decidem entrar ou sair de suas vidas; sós ou na companhia de outros viajantes.

Tereza, personagem do Milan Kundera em "A Insustentável Leveza do Ser", acreditava que coincidências eram como sinais, avisos, pombos que pousam sobre os ombros para que, através do ruflar suave de suas asas, possamos dar ouvidos ao chamado do "destino". Em Kundera, destino é coincidência. Para mim, coincidência é estar na encruzilhada certa, no momento exato e, se houver "sorte" - ou pombos otimistas a nos sobrevoar as cabeças - com alguém certo. Esse "alguém" pode ser um amigo; um cão; uma bengala; uma xícara de café; uma cadeira; uma cédula eleitoral; um livro; um filme; uma ilha; uma carteira de identidade renovada; um iPhone; um chapéu de palha; um amante; uma promessa. Cada um sabe a melhor e mais conveniente companhia para si mesmo. E cada um é o responsável pleno por sair da encruzilhada com as próprias pernas, ainda que no compasso das pernas de outro "alguém". 

Estive numa encruzilhada das mais medonhas ultimamente. Estava míope dos olhos e cega da alma, não conseguia ler as placas a sequer um palmo do nariz. Molhei o indicador e o apontei para o céu, mas aqueles eram dias abafados e bolorentos, sem a menor brisa a ventar e me carregar, por mais leve e suscetível que eu estivesse. Chutei muito prato de farofa, quebrei garrafas de cachaça a perder a conta e assustei espantalhos - gárgulas metem mais medo do que bonecos de palha. Fiz um pit stop demorado, digno de um Karmann Ghia com carburador estourado. Ocorre que, no torto dessas linhas, no novelo enredado da minha encruzilhada, havia também um garoto grande, míope, meio surdo e tão perdido quanto eu. Aprendemos a ler as placas de mãos dadas, muito temerosos das histórias um do outro, com reservas muitas e proteções poucas. Caminhamos em compasso, embora nem sempre em uníssono. Ou talvez seja o contrário.

No entanto, caminhamos. E em paralelas que, à distância, no lugar em que o horizonte vira um ponto único, vão se cruzar. Ou talvez já se tenham cruzado e nós, o garoto e eu, sejamos orgulhosos, medrosos ou meninos demais para admiti-lo. Acho que soube disso num momento especial, definitivo, eu diria, em que o garoto me contou o que ele sonhava ser quando crescesse: um pipoqueiro de praça. Não um médico, ou um engenheiro, um advogado e nem um astronauta. Apenas - e por isso mesmo tanto - um pipoqueiro. Senti o cheiro da pipoca doce com chocolate que minha mãe fazia para nós aos domingos. E o gosto da pipoca salgada, com queijo, que feliz eu comia em minha cidade natal. E o entusiasmo da pipoca de manteiga que o meu filho adora. Quando você encontra outro viajante numa encruzilhada, sabe que é em sua vida que ele vai permanecer quando lhe é revelada a memória de um garoto grande, que desejava fazer pipocas numa praça e vender alegria, sonhos e esperança.

6 comentários:

  1. Martha13.6.11

    Respondendo ao texto que você escreveu em 14 de abril de 2011 "romântica? eu?"...

    Eu gostaria de ser romântica como você, Forrest, quando eu crescer.
    Bj.

    ResponderExcluir
  2. Eu gostaria de ser mais prática e pé no chão como você, Forrest. Mas, acho que nem crescendo, viu...
    Beijos, amiga amada.

    ResponderExcluir
  3. Eh, muitas vezes fugimos das encruzilhadas e corremos para outro lado, pelo simples motivo de ter medo de ser o que gostariamos de ser. Eu se pudesse não pararia em nenhum lugar do mundo somente viajaria conheceria pessoas e lugares, moraria em um circo, mas infelizmente esse sonho ainda não pode se realizado, ainda...
    Gosto do que você escreve. Não pare..

    ResponderExcluir
  4. Obrigada, Cirlene. Num dia como hoje, em que o céu está mais azul do que eu, o seu comentário foi um presente inusitado, muito querido. Visite sempre. Você é mais do que bem-vinda. E viaje. Sempre.

    ResponderExcluir
  5. André Conforte16.6.11

    Ah, "A insustentável leveza do ser", Roberta. Não me fale desse livro. Fiquei mal muitos dias ao terminar de lê-lo. E já faz tanto tempo, tantos anos...
    Já leu O livro do riso e do esquecimento? Como escreve aquele homem.
    Continuo lendo com atenção seus escritos, tá? Nem sempre comento, mas sempre leio. Adorei o do Baiano, figuraça. Até hoje me chama de "Buriquinha". Fofo.

    ResponderExcluir
  6. André, meu amigo, você por aqui é sempre, sempre um conforto. Confesso que suplico por seus comentários, mas,... Quando se sentir á vontade, escreva. À vontade. Claro que já li o "Riso e o Esquecimento". Mas o que me choca, mesmo, é o "A Ignorância". Ah, Kundera... Volta e meia leio e releio tudo outra vez. Um masoquismo cultural justificável. (...rs).
    Abraços, meu amigo.

    ResponderExcluir