29 de setembro de 2010

Máscaras de Sol e de Grau

Há cerca de quinze dias, voltei de uma consulta com o meu oftalmologista com o seguinte diagnóstico: hoje, sem o apoio de lentes corretivas, eu tenho apenas 57% de visão de um adulto da minha idade. Nada de mais, na verdade, só astigmatismo e hipermetropia. O que aconteceu foi que, com o passar dos anos, o grau aumentou e, para quem lê e escreve muito, ou seja, “força” a vista, as letras embaralham, fica tudo muito embaçado, dirigir à noite é desconfortável – e eu sempre amei dirigir à noite – e, de longe, você não distingue muito bem o Clive Owen do Jude Law, por exemplo.

O primeiro pensamento que me passou pela cabeça, na hora, foi: “que coisa triste é a gente ficar velho”. Depois, deixei a elucubração de lado e parti para o terreno prático: “Doutor, será que dá pra usar lentes de contato?”. Dar, até que dá, mas primeiro o candidato às lentes tem que passar por vários testes para saber se a constituição dos olhos suportaria o uso delas. E, depois, o doutor acrescentou, “você só vai usar os óculos mesmo para ler, para dirigir, para escrever, ir ao cinema, ver televisão...”. Resumindo, para praticamente tudo que não fosse tomar banho, fazer xixi e transar – com a exceção do sexo virtual que, em tese, exigiria computador, então...

Ainda não fiz meus óculos. O fato é que dá para enxergar tudo, só que não tão nitidamente e não muito de longe, principalmente se for um cardápio de petiscos tailandeses. Daí que vou forçando a visão, tendo umas dores de cabeça de vez em quando e protelando até o último momento para fazer os benditos óculos. Fico pensando na armação, na cor, no peso, ai, me dá uma canseira...!

O engraçado nisso tudo é que, de uns tempos para cá, eu passei a amar óculos. Escuros. Meu xodó é um Gianfranco Ferrè vinho de acetato, com a armação toda facetada, como se fosse um diamante. Claro que eu não poderia ter comprado um Ferre a essa altura do campeonato e, claro, vou ficar pagando esse mimo durante quase um ano, até encontrar um ainda mais bonito e me arrepender de tê-lo comprado, em primeiro lugar. Agora cismei com um Ray Ban enorme, de lentes de vidro dégradé, amareladas e não-espelhadas, e hastes de metal douradas. Mas como não sou – nem posso ser – perdulária, faço o que a maioria de todos nós fazemos quando temos uma vontade: espero ela passar. Pode até demorar, mas passa.

Então, qual é o problema com os óculos de grau? Tem gente que ama tanto seus óculos de grau e sua miopia que tem uma porção deles: tradicionais, coloridos, com hastes de metal, com hastes de acetato, e acha o maior barato usá-los mesmo que seja só para fazer xixi – ou transar, vai se saber, cada um com sua própria fantasia, não é?

Sabe quando sua cabeça encasqueta com uma determinada coisa, e aquilo fica feito um defeito na injeção eletrônica do carro, que você nunca descobre de verdade? Pois é. Acho que rola um lance parecido comigo e os óculos. Eu até olhei um ou outro de longe, na vitrine, sem sequer sonhar em entrar com a minha receita na loja, mas aí vem o tal “defeito” e eu fico pensando na Welma, do Scooby Doo; no irmão do meio da Wendy, o John, do Peter Pan; no galinho Chicken Litlle; no Clark Kent que, mesmo com visão de raios-X, caramba, vai ao Planeta Diário com óculos para parecer meio bobão para a Lois; no Thomas Riplley que, antes de assumir a identidade do amigo rico e popular e virar o jogo, usava uns óculos de espantar até cangaceiro bravo; no Mister Burns, com aqueles oclinhos medonhos na ponta do nariz; no Peter Parker, que só redescobre seus poderes-aranha quando os óculos caem no chão e ele percebe que enxerga melhor sem eles; no nerd-mor de Porky’s, que só consegue a primeira namorada depois que joga os óculos pela janela da sala... São tantas personagens aludindo ou à inteligência ou ao aparvalhamento que os óculos de grau imprimem que, honestamente, dá certa insegurança de usá-los em público.

Agora, com óculos escuros, as lentes mudam totalmente de foco. Quem não se lembra do Bogart e seus óculos pretíssimos pedindo: “Toque mais uma, Sam”? E do Ray Ban do Tom Cruise em Top Gun, ao por do sol, levando a instrutora para passear na moto mais bacana de todos os tempos, ao som de “Take My Breath Away”? E dos milhares de Wayfare da “Bonequinha de Luxo”, Audrey Hepburn? E dos incontáveis Guggi da Marylin, que encantou o presidente com um simples “Happy Birthday”? E dos modelos esportivos Armani de Lara Croft, vulgo Angelina Jolie, em Tomb Raider? E dos sensualíssimos óculos de brechó – assim ele diz – do Russel Crowe? E dos milhares de Tom Ford da “patricinha” mais badalada do momento, Paris Hilton?

Aliás, e é sobre isso esta crônica, por que as celebridades só posam para foto com seus óculos escuros e, ultimamente, virou moda a galera colocar a foto de perfil do Orkut, claro, com óculos escuros? Por que óculos escuros são tão bacanas e populares e, na contramão, óculos de grau aludem à idade avançada, alunos CDF’s chatos e jogadores de xadrez? Não é possível, alguma resposta tem que haver para esse fenômeno cultural/comportamental esquisitíssimo.

Tão esquisito que, em contrapartida, quem assume seus óculos de grau são, em quase 90% dos casos, intelectuais de carteirinha e atuantes nos DCA’s de universidades, mulheres independentes até o último fio de cabelo, que apresentam programa de TV e/ou escrevem livros sobre a libertação sexual feminina, bichos-grilo que sempre têm um papo sobre economia sustentável e Greenpeace e, claro, o John Lennon, a Yoko Ono, o Woody Allan, o Gabeira e a Fernanda Young (que caem, de uma forma ou de outra, nas categorias acima). Só um minutinho aí, doutor, ajusta essas lentes, que a coisa ainda tá bastante embaçada pra mim!

E se não pensarmos em óculos como armações de acetato ou metal munidas de lentes, mas, ao contrário, máscaras? Porque, para conviver em sociedade, cada um de nós usa uma “máscara” em dado momento, às vezes porque ter uma persona pública é necessário, outras vezes porque ser uma persona já se tornou o modo de vida adotado pelo indivíduo. Nesse ponto, me lembro do último filme dirigido pelo Kubrick, o “De Olhos Bem Fechados”. Se você assistiu a esse filme, com certeza se lembra da cena em que o marido vai um baile secreto em que todos, absolutamente todos os participantes do ritual, usam máscaras venezianas. Quando ele é descoberto como um impostor, mandam-no retirar a máscara. E ele, com seu terno Armani impecável, sente-se absolutamente nu em meio à multidão de mascarados, nu porque apenas ele tem sua identidade reconhecida, exposta.

A máscara pode aparecer das formas mais inusitadas. Pode ser uma maneira de agir diferente no local de trabalho, um sorriso que você só distribui em situações específicas, uma maquiagem mais elaborada, que faz a mulher se sentir mais poderosa – assim como um salto-alto também é uma máscara - , uma postura absolutamente relaxada que você assume com os amigos do bar mas não consegue envergar em casa, com a mulher e os filhos à mesa de jantar, as piadas contadas numa roda de amigos, para preencher os espaços vazios da conversa, uma alegria efervescente que esconde uma alma melancólica, ou uma melancolia perene, para atrair piedade e atenção alheias, gírias que você só fala para ser inserido numa determinada tribo, nem que seja por poucos minutos, mentiras que se conta sobre si mesmo, a guisa de “história de vida”, para se fazer mais interessante e único para alguém. E, o mais espantoso, às vezes envergamos nossas “máscaras” com tanta frequência e naturalidade que elas passam a ser parte do rosto, da alma da gente. É como o “Fantasma da Ópera”. Sem sua máscara, ele não é o gênio que produz óperas e encanta a doce Christine. Sem a máscara do Fantasma – que por sinal é o símbolo máximo da peça – ele é apenas uma criatura disforme, um monstro soturno e atormentado que vive nas catacumbas do Teatro e não olha nunca no espelho. Ele é a máscara, a máscara é ele.

A questão é: quando devemos esconder um pouco, ou totalmente, de nossa verdadeira personalidade e usar uma máscara, um escudo, um adaptador social? Ou, será que não dá para ser uma pessoa só, o tempo todo, em quaisquer ocasiões? E, se as máscaras são de fato necessárias, como saberemos a hora certa de retirá-las? Como saberemos se a máscara que usamos lá fora já não nos tomou por completo, aqui dentro? Como saber se, de indivíduos únicos, não nos tornamos prisioneiros do personagem, ou dos múltiplos personagens que interpretamos quando nos convém?

Particularmente, eu nunca gostei muito de máscaras, nem as venezianas, que me dão um medo descomunal, nem as sociais, que às vezes eu até tento, mas não consigo envergar. E, honestamente, isso não tem sido uma grande vantagem na minha vida prática, porque vou transitando por mundos diferentes sem me transformar em pessoas diferentes, e esse comportamento muitas vezes fecha portas para mim. Não interpretar papéis ou, em outras palavras, não saber jogar no tabuleiro de xadrez da vida, nem ocultar certas nuances da minha essência, tudo isso faz de mim alguém muito desnuda, como se houvesse apenas, entre mim e o mundo, uma fina e transparente camada de vidro. E, pensando bem, qualquer um pode martelar essa camada e rachá-la de cima a baixo. Mas muito poucos têm coragem de chegar tão próximo de alguém a ponto de poder-lhe retirar uma máscara do rosto. Então, nesse ponto, minha desvantagem é clara.

Mas, no final e ao cabo, é tudo uma questão de escolha, de opção. Assim como cada um escolhe a armação de óculos e as máscaras que vai usar, também é possível optar por não usar máscaras, nem óculos, nem escudos, e levar a vida como em um front de batalha, de peito aberto. Até hoje, ouço conselhos do tipo: “Você tem que se resguardar mais, esconder mais as coisas que pensa” (esse é o conselho do meu pai). Ou então: “Toda mulher tem que ter um quê de mistério, e você não tem nenhum!” (isso é minha mãe, falando). E “você ainda vai entender que um pouco de hipocrisia é necessário para a gente sobreviver” (isso, quem disse, foi minha irmã, há uns vinte anos). De lá para cá, pouca coisa mudou, mesmo com os conselhos. Ou a despeito deles...

Mas, como eu disse, é tudo uma questão de escolha. Ou não. Quem sabe a gente já nasce com uma predisposição genética a ser mascarado e andar de armadura, ou, por outro lado, nasce predisposto a ser feito o corcunda Quasimodo, que expõe sua deformidade, em plena luz do dia, para a população intolerante de Paris, abandonando seu refúgio em Notredame para revelar ao mundo seu amor impossível por Esmeralda... Vai ver isso realmente não é uma questão de escolha: ou se nasce camaleão, bicho de casca grossa e mutável, que sobrevive às piores secas do deserto, ou se nasce borboleta: uma vez fora do casulo protetor, exibe suas cores vibrantes a cada vôo e logo, logo vira caça. A não que borboletas azuis vivam sempre sobre flores azuis, borboletas amarelas vivam apenas sobre girassóis, e por aí vai, todo dia o mesmo lugar, a mesma vida, tudo em nome de Darwin, da lei da adaptabilidade ao ambiente e, claro, da sobrevivência nossa de cada dia.

Realmente não sei se a sobrevivência compensa tanto mascarar. Ou se é realmente necessário usar armadura o tempo todo. Às vezes penso que eu sou feito aquele povo de uma tribo africana, cujo nome não vou conseguir escrever aqui, que acredita que, se você tirar uma fotografia de um deles, vai roubar-lhe a alma. Por isso eu evito as máscaras. Vai que elas tomam conta do meu rosto, grudam que nem polvo, e depois eu nem sei mais quem sou, com ou sem máscara? Ah, claro, isso me vale um constante zero a um para a vida e para as pessoas, armadas e/ou mascaradas em geral, mas... Na vida, na arte, no amor e na guerra, tudo se resume ao abençoado (ou maldito?) livre-arbítrio. Coisa complicada é PODER escolher entre milhares de opções, comportamentos e rumos a tomar...

Acredito que, depois que postar esse texto no “Trens e Balões”, eu vá, finalmente, fazer meus óculos. Confesso que só aderi aos escuros depois que começaram a brotar pés-de-galinha ao redor dos meus olhos, de tanto eu andar de cara para o sol. A vaidade falou mais alto e eu escolhi minhas máscaras de sol. Agora, óculos de grau vão ser um passo pequeno para a humanidade, mas gigantesco para mim. E, como eu tenho a alma desnuda do Quasimodo, já vou logo contando a verdade: você não vai me ver com óculos da Welma por aí, pode crer. Por enquanto, vou reservá-los para a TV em casa, para o notebook, que não vai saber se eu estou com óculos ou não, e, claro, para o escurinho do cinema. E, mesmo assim, só depois que as luzes se apagarem e o leão da Metro começar a rugir. Antes disso, eles ficam na bolsa. E para dirigir, oras. Mas à noite, obviamente, quando todos os gatos são pardos porque, sob o sol, o Ferrè garante minha proteção contra os mal-fadados pés-de-galinha.

2 comentários:

  1. come on, Roberta, glasses are damn hot!
    acho sexy, ou essa é, pelo menos, a desculpa que arrumei pros meus. ;0

    as máscaras (todas) já são mto clichês para serem sensuais... mto óbvio!

    ah, e eu gostei dos posts terem fotos.

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  2. Eu sei que você ama óculos. E aposto que são coloridos, deve ter uma porção deles. Mas "damn hot"? Sei não, Mica... Bem, pode ser, quem sabe? E compartilho de sua opinião: máscara não tem nada de sensual, algumas me fazem borrar de medo, outras eu olho e penso: "quanta presunção"!
    As fotos dão um "tchan" a mais, né? Essas, sim, boas máscaras...

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