25 de setembro de 2010

A Tattoo

Acabei de virar mais uma página da minha vida. Às vezes me assusto com a quantidade de páginas que uma única vida tem, e o número imenso de páginas que a gente acaba tendo que virar pra chegar ao final da história. Nesse correr da minha biografia, entrei numa fase de “fazer mudanças”. A casa foi a primeira – uma revolução. Móveis, pintura nova, arrumação nota 10, o pacote completo de uma mini-pseudo-reforma.

Depois, fiz o quarto furo nas orelhas, com um brilhante minúsculo de ouro. Ficou um charme, mas doeu feito o diabo. Semana que vem pinto a cabeleira – só não me pergunte de que cor. Decido na hora, como me convier. Ah, e claro, agora não vou adiar mais. Já marquei minha tattoo. Era para eu ter feito uma quando fiz 30 anos e entrei numa crise existencial, mas adiei, adiei, e enfim, não vou esperar os 40 pra fazer isso, não é?

Meu pai e minha mãe, obviamente, fingem que a coisa não é com eles, mas, sinceramente, quem teve o ano de 2010 marcado fui eu, e não dou a mínima se eles não aprovam. Claro que me certifiquei, primeiro, de que eles não iriam me deserdar por causa de uma tattoo. Ri muito de meu pai. Ele disse assim: “Se você quer fazer uma marca no corpo para marcar essa fase, porque então não corta um dedo?”. O tatuador se chama Fagner – ótimo sinal, o “Fagner” que eu conheço é excelente compositor. Enfim, já até escolhi o desenho, algo que encontrei na internet. É um soldado romano pelado, de verga em riste, segurando uma espada. Não, claro que não. Se eu fizesse uma tatuagem dessas, não perderia meu tempo com um blog, certo?

É uma árvore. Linda, linda. Vou fazer em preto e grafite. Não quero cores nessa árvore. Só o tronco, os galhos e as folhas, que são adoráveis. Minha mãe se dignou a olhar o desenho e disse: “Ai, filha, como você é arraigada, agarrada, saudosista! Uma árvore? Um troço que fica parado, envelhece e morre no mesmo lugar? Fica esperando pra ser cortada?”. Eu ri baixinho comigo mesma, porque minha mãe não vê as árvores como eu.

Ela esquece que, das raízes, vêm sementes, que as folhas mudam de cor, caem e se renovam, adubam o solo, voam ao vento, dão sombra, marcam lugares, como quando a gente diz: “Vai andando e vira naquela mangueira à direita”. E uma árvore centenária é uma guerreira vitoriosa. Conta histórias pra a gente, se você puser o ouvido no tronco e prestar bastante atenção. Tem coisa mais linda, poesia mais viva e divina que um ipê amarelo no meio do serrado? E a “maple” canadense, cuja folha vermelha tá até na bandeira nacional? As sakuras – cerejeiras japonesas – também são símbolo nacional. E as sequóias, o orgulho dos americanos. E os pinheiros, nos Alpes? E o nosso pau-brasil? Quem não sabe olhar uma árvore tem que aprender a olhar mais para o mundo, para si mesmo.

A minha árvore é estilizada, e vou tatuá-la na linha da nuca, descendo uns seis dedos. O tronco vai ser na linha da coluna vertebral, os galhos e folhas se ramificando pela nuca e costas, algumas folhas soltas ao vento. Tô louca pra fazer, mas a agenda do tatuador/compositor é lotada. Pensando bem, acho que a árvore é a coisa mais mutável e ao mesmo tempo consistente, que existe. E renovável, dentro das estações de um ano. É serena, na bonança, violenta ao vento de uma tempestade. Pode tanto dar abrigo quando carregar casas numa enxurrada. Um eucalipto gigante impediu meus pais de caírem numa pirambeira enorme quando eles tiveram um acidente, em 1995. Raízes de árvores são bons bancos pra a gente sentar, olhar para as folhas acima e sonhar.

Eu sou bem como uma árvore. Não tropical, admito, porque minhas folhas mudam de tom, caem e renascem, mas definitivamente, uma árvore. E essa vai ser minha tattoo. Para quando o meu filho de três anos me perguntar por que, eu dizer que agüentei tempestades, desfolhei, fiquei seca feito um juá da caatinga, quase tombei por causa de raízes enfraquecidas, mas dei muita sombra, flor e fruta, mais para os outros do que para mim mesma, porque talvez esta seja de fato minha natureza, vai saber. E quero que, quando eu não estiver mais aqui, a minha árvore, o tronco e as raízes, ainda estejam nele, com ele.

3 comentários:

  1. talvez o meu pássaro de fogo (tatoo que tenho no mesmo lugar onde vc vai fazer a sua) ainda converse com as folhas da sua árvore.

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  2. Anônimo10.6.12

    Nossa, muito interessante a sua visão sobre a árvore!

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  3. Semelhanças por aqui ...

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