8 de novembro de 2010

chuva chata

não venta hoje
nenhuma folha se move
todos os corpos estão estáticos
e o tempo se arrasta
como a derreter feito cera quente

não há sol hoje
o céu despeja uma chuva morna
de poucos e tristes pingos
a água atinge o solo seco, devagar
e o ar fica ainda mais sufocante

pirulim... pirulim... pirulim...

está abafado hoje
tépido e tedioso dentro do casulo
quente, úmido e vazio fora dele
até a minha mente embotada parou de ventar
e pensa na velocidade dos pingos no telhado

palavras sobrevoam meus pensamentos
ideias, planos, estratégias
mas estão todos do avesso
embaralhados num novelo de lã
que, Penélope, tento tecer, dar pontos firmes e nós

(mas, como Penélope, quando terei pronto um manto a quem cobrir...?)

pirulim... pirulim... pirulim...

falta vento hoje
falta sol cálido, que aqueça a pele
e acalente a memória
falta a brisa do mar, a salgar a pele
e transformar pernas, braços e abraços em gaivotas

a voar... a voar... a voar...

mas só escuto e sinto essa chuva chata
que nem chega a ser temporal
desses de fazer ressaca no mar
para fazer tufões e vendavais
e lavar daqui todo o bolor e torpor

pirulim... pirulim... pirulim...

meus olhos pesam hoje
mas não quero fechá-los
queria tanto poder... ver
ver à frente, milhas adiante
acima dos morros, dos telhados e muros

ver para não crer
ver para esquecer
ver para não mais conceder
porque o que veem esses olhos
o coração não sente com tanta determinação

chuááá...

aqui dentro, a tempestade
faz uma enxurrada de mim,
lavando e levando
o pior de mim
e o melhor que houvera aqui

chuááá...

"Ela agora é a nossa 'Penélope', tecendo palavras, urdindo enredos. Ela agora narra, enquanto espera. Ela registra versões. Ela desfia dores, amores, esgarça a alma, aquece o coração no silêncio frio de noites invernais. Ela está inteira porque recolhe retalhos do vivido. Ela vive de palavras, porque as palavras libertam". Aparecida Paiva 

E Aparecida soube, aparecendo dois dias antes desta postagem, antes que eu visse seu comentário, que, nesse momento, sou muito mais Penélope que Beta. Sincronia no pensar, no amar e no sofrer. E isso vale mais do que mil noites a tecer e desfazer o manto.    

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