no claro e no escuro.
Busco o tronco de mim
a partir de raízes que acredito serem minhas.
Sob o sol que escalda e cega
procuro os brotos e folhas de mim,
esse verdejar fragrante da aurora.
Nas torrentes que embrulham de chumbo o céu
saio à caça das flores de mim,
pétalas miúdas e tímidas à chuva,
que temo permitir que desabrochem
num eu desnudo, exposto em carnes de rude girassol.
Eu procuro as frutas de mim
cerne de sensualidade, humores e cor
onde habitam as sementes e o miolo de mim,
o âmbar ancestral que acolhe o que sou.
Eu busco a mim
na solidão da clausura
e na balbúrdia das praças públicas.
Eu busco a música de mim
quando todo o clamor que ouço é silêncio,
e a quietude de mim
no momento em que o menor ruído retumba.
Eu procuro os elos de mim,
correntes partidas e cadeados perdidos
em naufrágios distantes da costa.
Procuro os destroços de mim
que bóiam à deriva, sem farol a guiar
nem porto para aonde retornar.
Eu busco a leveza de mim
perdida no sótão da esperança
e nos porões da memória.
Arrasto-me com o peso de uma âncora,
fantasma que sou, acorrentado e ignorante
do poder do etéreo
frente à crueza dos grilhões.
Eu procuro a motivação de mim,
energia primal que desperta a mente
do torpor da rotina insípida
e faz do corpo matéria vivaz
em meio à massa estanque da resignação.
Busco os projetos de mim
filhos natimortos de sonhos enterrados,
primos moribundos de desejos latentes.
Nos trilhos paralelos da linha
procuro a rachadura indelével
onde meu trem descarrilou
e ao vento que varre o tempo e as estações
ouço um chamado distante que já não reconheço mais.
Eu revolvo a terra de mim
onde escarafuncho certezas outrora férteis
hoje um solo estéril de indagações.
Busco o mar aberto de mim
em que sol, sal, correntes e ondas
possam arrastar tijolos e destelhar o mundo
para que o rio plácido de mim
tenha para aonde fluir.
Eu procuro o mistério de mim
no cassino de almas onde a regra
é apostar aberto, para ganhar ou perder.
No salão de espelhos tortos onde me perco,
em meio ao eco cristalino de pensamentos
e passos trôpegos, minha caminhada solo,
eu busco a completude de mim,
para deixar de lado os ensaios vãos
de encontrar minha metade.
Eu busco a razão de mim
quando olhos, boca, coração e pulmões
são nada além de sentidos vaporosos,
sentimentos que prendo em frágeis gaiolas de gravetos
de onde até o mais arisco dos pássaros poderia escapar.
Eu procuro a coragem e a tenacidade de mim,
castelã por essência, soldado por opção,
entrincheirada em barricadas de medo e insegurança,
travando batalhas que não vejo como minhas.
Em cada passo que dou adiante
com o poente às costas,
eu procuro a sombra de mim que,
feito Peter Pan, tento costurar aos pés
para não perder meu reflexo negro,que é companheiro, alterego e irmão.
Eu procuro a mim,
a argila que moldou-me o ser,
destacada das formas e das mãos dos oleiros,
para que no barro úmido e cru de onde eu venho
possa contemplar a mim, sem lapidação.
Procuro a mim.
Busco-me mais do que vivo,
mais ainda do que vejo
e por lugares que nunca visitarei porque,
na caçada constante de mim,
talvez perca o balão dourado e displicente
que seria o passaporte para mim.