caminhava pela areia lisa e sem pedras da praia
e firmava o olhar no horizonte a sua frente
morada do sol, a se esconder atrás do morro de pedras
fazendo sombras compridas onde as ondas vinham quebrar
os dela eram tamancos de madeira do verão de outrora
mas seus pés segiam nus, num andar cadenciado
marcado pelo bater constante das sandálias
que lhe pendiam displicentes das mãos morenas
a brisa soprava forte em seus cabelos
deixando em desalinho o penteado, o vestido
mas também a sua mente que, distante
vagueava à lembrança de uma promessa de outro carnaval
clac-clac-clac-clac...
ela deveria ser a unica moça sozinha na enseada
a marchar em linha reta, em direção ao poente
com os olhos fixos na espuma que lhe lambia os pés
e o peito oco, ressoando uma canção de amor
clac-clac-clac-clac...
os pulmões ela enchia da maresia úmida e salgada
e levantava o rosto para o céu, para observar as garças
que, na maré vazante e com o sol baixo no horizonte
rasgavam a água num vôo rasante para pescar
o sorriso ela ofertava a crianças e casais
e as mãos livres ela batucava ao longo do corpo
a fingir de percussão e harpa
num dueto que apenas a sua alma ouvia
não deixava pegadas nem trilha
pois as ondas logo vinham beber em seus rastros
e fazer da presença dela naquele porto uma ausência
como o barco à deriva, inimigo do cais
clac-clac-clac-clac...
ela deveria ser a unica moça triste na enseada
onde os risos, a cantoria e os copos faziam festa
para aquela gente eufórica, com fome de celebrar
onde a ninguém seria permitido sucumbir à saudade
clac-clac-clac-clac...
fixou os olhos na bola vermelha do sol
sentindo-os arder e marejar
e achou impróprio para alguém, à beira-mar
se permitir salgar o rosto sem o refresco de um mergulho
perdeu de vista o porto para aonde deveria retornar
e parou de contar as tantas vezes em que olhou para trás
esperando pelo resgate que ela sabia não existir
como sentia inexistentes as cordas, os nós e o recomeço
a ela só faziam companhia o eco das garças
e o chamar soporífero das marolas, pra lá da arrebentação
onde ela imaginava, mais por otimismo do que por intuição
morarem os sonhos antigos e o querer perene da estiagem
clac-clac-clac-clac...
ela deveria ser a unica moça a jogar com a sorte na enseada
porque havia caminhado tanto, de tão longe
para simplesmente não estar ali
para inadverditamente desejar voltar
clac-clac-clac-clac...
chegou ao final da praia, onde a areia abraçava o morro
para aonde ela não podia mais caminhar
e achou impróprio, para alguém tão longe de casa
esperar pela mensagem do náufrago numa garrafa
pois não haveria mensagem, não poderia haver
não haveria sinal luminoso, ela não poderia esperar
nada que lhe redesenhasse o destino, há muito traçado
e atado a seus pés, tal qual a âncora de navios assombrados
voltou as costas para o sol, que ainda resistia à chegada da lua
viu desenhada na areia a silhueta negra, longa como o tempo
e fechou os olhos para o norte, tampou as narinas para o vento
para poder retornar ao cais, peixe fora d'água, a esmorecer
clac-clac.
tic-tac-tic-tac-tic-tac...
tic-tac-tic-tac-tic-tac...
Vejo que o revéillon na praia rendeu ao menos bastante inspiração... :-)
ResponderExcluirrsrsrs... Réveillon na praia sempre rende. Qualquer coisa. Não sendo frango assado, farofa, macumba e pagode, tá valendo, né não?
ResponderExcluirEu não consigo parar de achar sensual essa gota pendente na garrafa... soa como uma promessa de prazeres tropicais lascivos...
ResponderExcluirE macumba é o máximo - qualquer religião politeísta, que envolva comida e teatro, tem meu respeito.
Amei esse seu comentário. Quanto à garrafa, acho que foi essa a intenção. Quanto à macumba, respeito muito. Só não faço. Vai que, ao invés de cair a genitália de outrem, cai a minha...?
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