quando o véu da noite veio cobrir o firmamento
olhava para a lua, um arco crescente delgado
ainda difuso no colorido das nuvens
e pensava se ele olharia para aquele mesmo céu
o negrume ia devorando o dia, devagar
para dar morada ao brilho amarelado de vênus
que se finge de estrela só para enfeitiçar os amantes
mas estaria ele com os olhos voltados para os astros?
a cantoria das cigarras e dos primeiros grilos
preencheu o vazio entre ela e o mundo
e o cheiro da noite que inspirou com vigor
pareceu trazê-lo para mais perto, como o faria um telescópio
o verde das árvores feneceu com o adeus do sol
e elas pareceram ainda mais vivas e cúmplices agora
negras e silentes contra a nesga azul-escuro do crepúsculo
e em algum lugar, a anos dali, ele olharia para a lua
talvez à beira do rio, dono de um correr manso
aspirando a terra molhada pela última chuva
ouvindo outros grilos, quiçá uma cigarra
e sorrindo à visão de um pirilampo solitário
ajeitaria os cabelos, cruzaria os braços
e ficaria ali por alguns segundos, a ver o céu
que era o mesmo céu que ela sorvia com o olhar
e talvez a infinitude do cosmo os fizesse sentir menos distantes
porque tudo é centesimal diante do firmamento
e passageiro quando comparado com as estrelas
e não há dor nem saudade que perdurem
quando há estrelas no céu e cantoria de cigarras
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"A Noite Estrelada", Vincent van Gogh |
Parnasiana uma ova - só quem tem impressa na alma a mata atlântica pode escrever dessa forma.
ResponderExcluirE concordo: pra quem tem a maravilha do campo, o drama humano é posto em um contexto diferenciado.
É verdade, viu. O drama humano é sempre um pouco menos dramático para quem se dá o trabalho de olhar para o mundo e ver o verde do mundo.
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