14 de janeiro de 2011

luto?


Espanta-me constatar que a idéia de "luto" na Região Serrana esteja associada ao cancelamento de reservas em hotéis de luxo e ao conseqüente marasmo do turismo local. O mesmo aconteceu no ano passado em Angra dos Reis e em Ilha Grande, quando a tragédia de semelhantes proporções inundou as emissoras de televisão com imagens ao vivo de desabamentos e, simultaneamente, da queda das ações no mercado imobiliário. Entretanto, tal declínio representou uma oportunidade de ouro para a classe C, normalmente tão distante das ilhas paradisíacas de Angra. Em função dos desabamentos e das mortes, nunca fora tão barato, conveniente e atrativo viajar e se hospedar naqueles locais, mesmo que o nouveau touriste trouxesse de recordação a imagem de equipes de resgate como fundo em suas fotografias com os filhos, a sogra, a nora e o totó. 

O cenário não vai ser diferente com Petrópolis, Teresópolis, Friburgo e redondezas. Basta ler a notícia anexada ao link no topo deste post. Se os hotéis e a economia de lazer perdem por um lado, as construtoras e o mercado imobiliário já se adaptam rapidamente às novas tendências apocalípticas. Se você sempre sonhou morar na cidade onde D. Pedro II passava amenos verões, mas nunca teve bala na agulha (leia-se "poder aquisitivo") para tanto, esse é o seu momento. Claro, o cheiro de entulho e a atmosfera irreparável de perda, em todos os sentidos, dos moradores, pode incomodá-lo a princípio. Mas, em todo caso, os fins justificam os meios e, afinal, nada como ter uma grande propriedade na "cidade imperial". Em outras palavras, tudo, absolutamente tudo vale a pena quando a alma é extremamente pequena.

Sempre amei Ilha Grande e a Região Serrana e os poucos seres humanos que me conhecem e me amam de fato sabem que de imparcial e Pilatos eu não tenho nem um único fio de cabelo. Na ocasião da tragédia na Ilha, eu poderia ter me hospedado no lugar que mais amo no Estado do Rio por uns quinze dias, na melhor época do ano - o sol já voltava a brilhar, lembro-me bem - e pagar pouco mais de cem reais por isso. Morar em Petrópolis, lecionar em uma das escolas em estilo neo-clássico de lá e caminhar pelas ruas salpicadas de azaléias sempre foi um sonho meu. Se vendesse meu apartamento, poderia comprar um terreno e talvez, quem sabe, ainda me sobrassem uns trocados para o pão e o café da semana.

Entretanto, acredito em certos compromissos e valores, laços que tenho mais comigo mesma do que com o mundo. Não pude estar na Ilha para dar auxílio direto aos desabrigados, mas não seria capaz de veranear em suas praias enquanto o povo observava suas casas em escombros. Não sou filiada à Cruz Vermelha, de maneira que não estarei em Petrópolis para resgatar um órfão da enchente, mas não me aproveitaria do estado de emergência pública para comprar um terreno baldio na cidade dos meus sonhos. Este é o compromisso que tenho não com quem perdeu suas vidas, seus parentes e suas casas, mas comigo mesma, para que eu não perca minha própria identidade e rumo.

Ainda em tempo: já estou bem crescida para saber que o capitalismo faz as engrenagens do mundo girar. Não é minha intenção aqui promover o apedrejamento público de donos de hotéis e imobiliárias. A mim, eles me parecem mais do que corretos; estão fazendo seu trabalho, vendendo, comprando margarina sem gordura trans, colocando a comida na mesa, alimentando os filhos e os cachorros, fazendo o mundo girar. Errada estou eu, que mantenho um blog e não ganho um centavo por isso. O que me surpreende é o título da matéria: "Região Serrana Está de Luto". Oras, se é para falar de mercado, queda nas vendas, hotéis vazios e o diabo econômico a quatro, qual a razão de se mencionar luto? Luto de quem? Luto pelo que? Alguém aí "desce" uma Itaipava gelada porque essa está difícil de engolir.

2 comentários:

  1. β, entendo a revolta - mas olha a sua fonte! É um portal de TURISMO, pro PROFISSIONAL de turismo!!
    É mais que natural que ele esteja falando a partir desse pressuposto, oras!

    No mais, esse DISPARATE sobre a correlação entre turismo da classe C e a baixa no mercado imobiliário e de turismo é TÃO absurdo que só posso assumir que é uma ironia de péssima qualidade.
    Digo isso porque as "ilhas paradisíacas" de Angra e as "ruas salpicadas de azaléias" SEMPRE estiveram no roteiro de turismo da classe C - ou com "farofeiros" ou em pousadas e hotéis baratos, que abundam em ambas as regiões.
    Impressiona em uma sociedade como a brasileira, onde classe AA convive no quotidiano com classe D/E/F, você sustentar um impropério desses de "turismo classista".
    E qual turista, de classe A ou Z, iria planejar suas férias para uma zona de calamidade pública?!
    Aprecio a ironia - mas ela está tão carregada que você parece mais estar defendendo uma luta de classes, inexistente, sobre o acesso ao turismo...
    E, claro, isso seria o cúmulo da bobagem esquerdóide...

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  2. Amigo, dessa vez você não entendeu nadinha, mas nadinha mesmo do que eu quis dizer. Ou, então, eu realmente escrevo muito mal, o que deve ser verdade, porque não questiono sua inteligência, muito menos seu conhecimento de atualidades que, em comparação aos meus, são estratosféricos. Nunca uso de ironia desse nível. Meu texto é transparente. E opinativo, por isso nunca quis trabalhar em jornalismo informativo. E, ao que me consta, Ilha Grande e Petrópolis, até ontem, não eram destino de farofeiros, como você afirma. Disputa de classes, discurso de esquerda, política e todo esse lero-lero não tem nada a ver comigo. Achei que você soubesse. Minha idéia aqui era falar do título da matéria: "Luto pela Região Serrana". Leia de novo. Se não entender, é porque realmente escrevo muito mal e porcamente. Ou, então, seu intelecto não o permite mais ver a simplicidade da coisa: onde há luto numa matéria que, como você disse, é para PROFISSIONAIS DE TURISMO?

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