19 de janeiro de 2011

lua

o ideal é que eu fosse sol
e brilhasse das seis da alvorada às sete e meia do poente
em dias úteis, domingos e feriados inclusos
horário de verão e de inverno, e com raios rutilantes
que vazassem por nuvens de amargura e pelo pó das saudades
mas a tristeza de todas as estrelas
(e o sol é uma delas, só que grande, pesado e cego)
é que se apagam com o tempo
demora muito, dizem os astrônomos
mas chega o dia em que se extinguem no firmamento
e essa é a tristeza mais bela que se possa conceber porque
mesmo extintas, as estrelas ainda emanam seu brilho louco
e lindo e hipnótico, lá dos confins do cosmo, o mesmo brilho que
o teu mais antigo ancestral e o meu viram quando
apaixonados, subiram os olhos para o céu e,
ignorantes do fato, nem podiam imaginar que
uma daquelas namoradas coladas
naquele teto de veludo negro e silente
já poderia há tempos ter partido deste mundo...


ah, sim, o ideal mesmo é que eu fosse estrela
para irradiar, encantar e apaixonar a quem espiasse
mesmo à distância, mesmo quando eu estivesse extinta
(ou momentaneamente apagada...)
mas o fato é que sou lua, cíclica e senhora de uma fase oculta
que desconheço e, incansável, procuro definir, delimitar, exibir 
e, para quem observa a lua de longe, em sua beleza de metal líquido
a imagem é tudo, e a sede, a fome, o desejo, a paixão e a razão, nada
por isso a lua assusta quando vai sumindo no manto do céu,
até restar de sua abundância cheia e luminosa de prata nada além
de um halo invisível, pálido e indistinto, cercado de nevoeiro.
Curioso disso mesmo é que, quando nada se vê de mim, lua morta no céu,
chamo-me Nova, porque, introspectiva e distante do sol, apagada
e fria, hei de me renovar e fazer-me nova, como fazemo-nos todos
entretanto, pupa pronta para abandonar o casulo lunar, volto a sair de dentro
de mim mesma em alguns dias; vai-se embora o medo do sol, da vida e
do mundo e, crescente, desnudo-me tímida no firmamento entre outros, apenas
uma ponta iluminada enquanto o resto de mim ainda está escuro e nostálgico.
Mas é quando cresço que estou risonha no céu, sou a meia-lua das feiticeiras
exuberantes, o sorriso do gato de Alice, o quarto-crescente dos alquimistas.
Então, no auge de mim, quando uivam os lobos, as paixões e as certezas,
estou cheia a brilhar, jorrando prata sobre os amantes, agregando crianças
na praça e abrindo damas-da-noite nos jardins. Se não posso ser sol, era lua
cheia que eu queria ser, todas as noites, para liqüefazer em brilho
o melhor de mim que não posso expor a todo momento.
E por tal impossibilidade é que volto a minguar, e apenas metade de mim
fica clara, feliz e otimista, iluminando o futuro, enquanto a outra, distante do
sol, ainda se mantém enraizada ao saudosismo, à poeira do passado e
inevitavelmente, ao brilho das estrelas que já se extinguiram há muito.

pro amigo Matheus, que me  "presenteou" com a inspiração para essa poesia. 

8 comentários:

  1. Anônimo19.1.11

    Lindas palavras, como sempre...
    Adorando passar aqui, minha estação de cada dia antes de embarcar para o mundo que lá fora me espera diariamente.

    Fique com Deus,
    E até a proxima estação! ;D

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  2. Amei andei mais suas palavras, e o bonito trocadilho com esse que é um dos "dirigíveis" com raízes que eu mais amo no mundo: os trens. Um prazer ter alguém tão especial quanto você, meu amigo, a viajar aqui nesse Expresso. Acredite, você tem uma cabine especial, só pra ti. Abraço grande, fica com Deus também e até a próxima parada!

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  3. Cara ou coroa?
    Se fosses sempre sol, quem está no lado da sombra do mundo, não usufruiria de todo seu potencial. Tem mais: você seria grande, pesada e cega!
    Sendo lua, você não ofusca o brilho da noite. Ás vezes é o brilho e às vezes participa dele.
    Como lua, obtive resposta na tentativa n#58.
    Ontem, você disse que hoje estaria melhor. Torci para você voltar como crescente e não como sol!

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  4. Pois é, Matheus. Foi como eu disse. Falam por aí que o caminho do meio é que é o ideal. Eu sempre busquei desesperadamente o caminho do meio, mas nunca consegui. A metade nunca me bastou. Mas o sol, acho, entedia um pouco. É como quando a gente vai para a praia. Enjoa depois de um certo tempo, né? Assim como também enjoam o frio e a chuva. Por isso sou lua, tenho fases, nasço e morro e renasço. E que bom que no firmamento há estrelas, e vivas, como você, como Wesley, como Milene, como a Fê, o Marcelo, a Ivy, e todos esses astros que eu amo, mesmo à distância, mesmo não vendo pelo telescópio. Um dia a gente se encontra no planetário. E troca figurinhas cósmicas, e belas e inesquecíveis!

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  5. Benditas são as mulheres sempre cíclicas!
    Sempre surpreendentes e com alma de Fênix!
    São elas que movem os poetas.
    Linearidade só é legal no horizonte!

    (Complicada e perfeitinha... rs #raimundosfeelings)

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  6. poutz, Fernanda disse o que ia dizer:
    mulher de fases: complicada e perfeitinha... rsrs

    diz-se por aí que somos comandadas pela Lua, com oscilações, assim como a natureza, com marés, brisas e movimentos de pássaros.

    eu admiro minha Lua Beta de longe longe, mas com ela sempre no olhar. ;)

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  7. A ética da justa medida é masculina. A nós cabe a coragem do excesso e da falta.

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  8. Noooosa, Fernanda, matou a cobra e mostrou o pau agora. Por isso te admiro. A nós, que temos a verdadeira coragem e a verdadeira força, é que cabe cruzar a linha, romper barreiras, estourar represas, parir e liderar os líderes, amar, construir e destruir.

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