6 de janeiro de 2011

infância



nunca acreditei que a colher lambida
fosse capaz de azedar o doce
nem que beber do copo de alguém
entregasse seus segredos


não acho que palitar os dentes depois do almoço
seja a maior gafe do mundo
nem que comer frango com as mãos
choque a burguesia de fato


minhas mochilas nunca foram da moda
e meus tênis eram de lona
quando as meninas se sentavam comportadas
era a mim que as professoras repreendiam


jamais ninei meus ursinhos
nem colecionava barbies
minha verdadeira especialidade
era brincar de escolinha com as bonecas


nas enchentes na fazenda
ficava entediada com a sessão da tarde
e na companhia da criançada da escolinha
me esbaldava com as poças de lama


nunca dancei ballet nem fiz natação
e se pudesse voltar no tempo
ficaria de fora dos dois
só para aprender capoeira


eu achava que me casaria com o superman
e chorei quando ele perdeu para o apocalipse
hoje sei que o clark não existe
mas ainda acredito em mocinhos e vilões


meu pai não me deixava comer cheetos
nem tomar sacolé da esquina
o que não pode ter sido uma boa decisão
porque hoje não resisto a nenhum deles


muita coisa mudou de lá pra cá
minhas pernas espicharam, meu cabelo escureceu
e eu virei um adulto tuberoso e aborrecido
mas ainda lambo a colher do doce

2 comentários:

  1. Já lí muita coisa sua - e você sabe disso. Mas nunca lí nada tão pungente e sincero.
    O prêmio por ter a coragem de se desnudar de forma tão intensa é poder mostrar a todos (e especialmente a sí mesma) como sua alma é linda.

    Parabéns - foi de longe o melhor post do blog.

    ResponderExcluir
  2. Jura? Puxa, Marcelo, nunca imaginei que você fosse gostar especialmente desse... Obrigada, querido. Viu? Suas críticas surtiram enfeito. Tô melhorando! Te amo, seu puto.

    ResponderExcluir