1 de fevereiro de 2011

espera (versão solo)



quando é que esperar virou parte de mim?
mania com disfarces de costume, carapuça que engole
e vira hábito pra depois, entranhada, tornar-se vício...
por onde exatamente eu andava,
quando a espera agigantou-se a ponto de ser maior
que as pernas, que os passos, que a estrada?
por que vendar os olhos para o futuro e,
feito um farol às avessas, iluminar as curvas atrás?
com que propriedade desnudei-me de mim
pra vestir o manto de Penélope?
quando o céu pontilha de estrelas
e as luzes da rua não abafam seu tilintar
é lá que me perco, devorando os diamantes
com olhos famintos da mulher que espera...
e aguarda o retorno de quem partiu,
a chegada de quem nem chegou a sair,
a surpresa de um outro alguém,
a partida de quem nunca esteve ali...
a noite é alta e as estrelas estão mudas;
esperam que o veludo de breu onde se deitam
receba pinceladas de algodão-doce do sol...
e ele chega, hora marcada, no primeiro trem
pra aplacar a saudade da lua e beijar seu harém estelar,
pois não há vazio na noite nem no dia do céu,
onde os amantes sabem quem são, a que vieram
e por que esperam...
não ouço ecos nas salas de espera, não vejo acenos
e caminhando de uma estação a outra,
corroída pelo marasmo de paisagens tolas,
encurvada pelo peso de responsabilidades vãs,
descubro que esqueci o que espero...
mas talvez eu renegue a memória
e saiba ainda para onde mirar meu anseio
e sinta, mais até do que saiba,
que meus desejos deixaram de ser possíveis
na medida em que se tornaram sonhos...
então a espera preenche vazios
e fertiliza o vácuo da alma, intumescida de querer,
de onde florescem mais expectativas,
até que todo fruto meu seja filho de uma espera sem fim...
à espera do momento certo pra recomeçar,
da melhor hora pra concluir,
do dia perfeito pra ser feliz,
da estação mais amena pra lutar,
da bandeira branca pra capitular,
do ponto exato para se reerguer...
à espera do tempo que passou,
do tempo que ainda vai chegar,
da paz que há de me abraçar,
da parte amputada que não regenera...
à espera da menina que fui
quando mulher era o que eu esperava ser;
do amigo que nunca pôde me ouvir
porque eu me calava em suspense;
do homem que não poderia ser meu
porque também ele esperava...
quando é que esperar virou parte de mim?
tatuagem que define, aprisiona e delimita,
levando-me ao chão, de joelhos,
olhos arregalados e ouvidos atentos...
no corredor exíguo por onde as metades da vida
se comunicam, miro meu rosto no espelho
e não é mais a mim que vejo;
não há olhos nem lágrimas,
não vislumbro lábios, nem sorrisos
porque tudo o que vejo
é espera...

pra Luka.

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