11 de fevereiro de 2011

a terceira condutora

Voltei da praia com as pernas latejando da corrida na areia. Meu corpo era uma massa pegajosa de suor e sal, mas o cheiro de mar, de liberdade e de identificação não me permitia sentir a exaustão. Meu sobrinho tinha a garganta dolorida e febre alta. Mais do que óbvio que havia um anti-térmico, três tipos de anti-inflamatórios e um antibiótico em minha mala. Bom para ele, que sarou da noite para o dia. Mal para mim que, longe de casa, ainda me pego transportando frutos de uma árvore por demais frondosa, deveras distinta dos ipês delicados que gosto de fotografar.

Enquanto esperava para tirar a temperatura de meu sobrinho - e ter certeza de que melhoraria e não herdaria uma leve gastrite devido à prática ilegal da Medicina - vim aqui no Expresso, ver como andava a estação, a quantas iam os passageiros. Havia uma postagem nova, que poderia muito bem ter sido minha:

http://escaloalfabeticas.blogspot.com/2011/02/me-diz-o-que-e-sufoco-que-eu-te-mostro.html

Franzi as sobrancelhas e ponderei se o sol carioca poderia ter cozido meus miolos, de maneira a me fazer esquecer os textos que eu mesma escrevo. A crônica vinha ilustrada com uma fotografia evocativa de estrada de terra, cercas e um casal distante, a moça a segurar uma sombrinha colorida sob o sol. Aquele era o tipo de retrato com o qual ilustraria uma crônica de minha autoria. Até a formatação do texto poderia ter sido minha: parágrafos bem pontuados, corpo justificado, estrutura de jornal. Àquela altura, a surpresa havia tomado conta do meu ânimo de tal maneira que simplesmente me esqueci de meu sobrinho e do banho que eu deveria tomar.

Tudo aconteceu muito rápido, claro. Uma impressão do olhar que dura frações de segundos mas que, em retrospectiva contada em prosa, parece uma doce eternidade. Eu sabia que o texto não poderia ser de Ivy, a moça que vem escrevendo por aqui há umas duas semanas; Ivy mescla no mínimo três cores em cada postagem, tem sempre uma introdução antes de ofertar sua poesia e usa fotografias pequenas, justificadas à direita. Então vi, no espaço que lista as "maquinistas" do Expresso, um nome misterioso, suave, feminino, até sensual: "Miss P." Meu coração falhou três batidas e só então, na embriaguez da surpresa, fui de fato ler a crônica. Também ela poderia ter sido minha, mas era melhor por muitas razões: é um texto fluido e enérgico, que quebra a cabeça do leitor mas que também brinca de esconde-esconde com ele. Aquelas linhas só poderiam ser da Mi, minha amiga dos tempos do colegial, a poetisa que eu sempre quis ser, a "baixinha" cuja coragem para peitar gigantes sempre me encantou, Milene Portela.

Ela já teve o seu "malagueta e morfina" que, depois, virou "papel pequeno". Hoje escreve para uma penca de blogs, o que me fazia cerrar os punhos de ciúmes. Eu já havia convidado Milene para dar umas pinceladas nesse velho trem de ferro duas vezes. E nada. Sempre ocupada demais, com a cabeça a mil ou o coração a zero, mitigando mistérios e saudades de si mesma e ruminando o tempo como só ela é capaz de fazer. Quando Ivy embarcou por aqui, enviei o terceiro convite para a baixinha. Até que ela tentou escapar da espiga de milho, aqui, escrevendo para mim a seguinte mensagem: 

"Hey ya, como andam as coisas por aí? Então, vi que você me mandou um convite para contribuir. Roberta, agradeço muito mas, como dizer, vejamos, eu estou na fase baixa da montanha russa, você me entende? Ando levando uma vida sem graça, sabe? Às vezes triste, às vezes apática, sem vontade de conversar, ouvir, que dirá escrever... É uma fase na qual as esperanças ficam tipo as pimenteiras aqui em casa: murchinhas... Obrigada, Beta, de coração, mas não ando me sentindo bem nem forte para nada... Desejo muito sucesso, sorte e luz no seu projeto com Ivy, ok? Estou torcendo por você, como sempre. Grande beijo e desculpa decepcionar".



Li a mensagem, suspirei e tive ganas de ir ao apartamento sem ar-condicionado de Milene só para dar uns bons petelecos nela, que baixinho tem mais é que tomar peteleco mesmo (e essa vai pra Ivy, também). Eu compreendia perfeitamente a fase "leave me alone" da Mi, só não aceitava que ela se escondesse do seu maior talento por causa de umas pimentas murchas. Para mim, a coisa funciona no sentido contrário: na fase baixa da montanha russa, levando a mais sem graça e sem sentido das vidas, escrever é o que me mantém viva e sã. Verborrágica? Um pouco. Catártica? Bastante. Prolífica? Bagaraio. Uso a derrota, a decepção e o torpor do dia a dia como sementes para a poesia, a prosa e muitas crônicas. Com os contos é um pouco diferente. Escrevo sobre alguém que nunca fui, ou alguém que gostaria de ser.

Então o convite virou ultimato, mandei uma meia dúzia de jagunços para o Flamengo, fiz chantagem sentimental e... voilá! Numa passada rápida pelo Expresso, depois de um dia perfeito de praia, encontro Milene, a Miss P. que, espero, vai prosear muito por aqui daqui para frente. Ela disse que produziu sob pressão, que a persistência dela comigo é uma baita prova do quanto gosta de mim (alôôô? E a minha persistência em você, cara-pálida?), que foi um absurdo retirá-la das masmorras da auto-piedade para vir brilhar aqui, no blog mais bem sucedido da paróquia. Reclamou, rosnou, ciscou um bocado e fez o que faz de melhor: escreveu uma crônica reflexiva, dolorida, pungente e, ainda assim, fluida e atual. Não tem jeito. A gente pode fugir de muita coisa, mas não do chamado da pena, da inspiração e, o mais relevante, do talento.

Então, agora, estou satisfeita. Param por aqui meus truques de poeta órfã e toda a chantagem emocional que fiz com Milene. Somos três a conduzir o Expresso daqui para frente. De mim e de Ivy falei  aqui:

http://escaloalfabeticas.blogspot.com/2011/02/sob-nova-conducao.html

Milene já apareceu em alguns vagões, noutras veredas:

http://escaloalfabeticas.blogspot.com/2010/09/little-miss-sunshine-vulgo-milene.html

http://escaloalfabeticas.blogspot.com/2010/09/little-miss-sunshine-vulgo-milene.html

http://escaloalfabeticas.blogspot.com/2010/10/eritrinamigas.html

Pois é. Sou fã incondicional dessa capricorniana orgulhosa, que compra briga pelos amigos, morde a escória do mundo se for preciso para defender seus valores, é arquiteta, professora de inglês e poeta. Milene nasceu na cidade que é o segundo melhor clima do mundo, a 40 quilômetros da minha, que dizem ser o quarto. Ela é minha primeira melhor amiga e uma afirmação desse calibre só me permito fazer porque não vejo Milene há quinze anos mas, quando nos esbarramos pela loucura digital das redes de relacionamento, é como se fôssemos colegas de quarto. Ademais, essa menina linda, sósia de Rachel Weisz (embora ela não o admita), um metro e cinqüenta e sete de genuína grandeza, força de caráter e disposição para bater, lê a mim à distância, como eu, a ela. E isso é intransferível.

Sinto-me acuada no meio de Milene e Ivy. As duas mal alcançam meus ombros mas, na guerra da vida, são infinitamente mais intrépidas, guerreiras e focadas. A Ivy, que curte esse lance de zodíaco, diz que é por causa de nossos signos: ela, leão. Milene, carneiro. Eu, caranguejo. Aff! Enfim, o que não tem remédio... Então é isso. Agora seremos ß, Ivy e Miss P. Acho que formamos uma trilogia ímpar. ß no alto da serra, Ivy lá na ponta do país, Miss P. no nível do mar. Somos física, social e psicologicamente distintas mas, quando pegamos papel e caneta - ou quando papel e caneta nos pegam - somos a mesma mulher; a mulher que habita muitas em si, o olho do mundo, o elemental elementar que insistimos em buscar, seja na serra, seja no sul, seja no mar. Bem vinda, Mi. Sem você, estava faltando um pedaço. Sem você, a primeira passageira cativa desse trem, não haveria sucesso, sorte e luz que bastassem. Porque certas coisas só têm valor agregado quando divididas com certas pessoas.

ß, Ivy e Miss P. Não, ela não é pinguça.

Um comentário:

  1. hey ya, first of all:
    I'm a kinda pinguça. rsrs um cadico. =]
    mais uma vez, mais uma linda vez: OBRIGADA. mil obrigadas :
    pelo convite
    pela oportunidade de subir no trem
    por existir um trem
    por existir uma dupla que já conduzia o trem
    por não desistir de mim
    por ser essa espiga de milho irresistível.

    eu fiquei preocupada que minha "voz" destoasse da voz do blog, sabe...
    espero poder contribuir da melhor forma possível, do jeito que sei fazer: refletindo sobre o nosso papel atualmente, sobre o papel dos sentimentos, e sobre o papel de quem escolhe lidar com papel e caneta (nós).

    eu não sou isso tdo aí não hein... não enganemos nossos leitores!
    eu sou mais essa que derrete no apto sem ar mesmo qdo faz frio e aquela que levanta todo dia e pensa: vou brigar ou vou ceder?

    há dias de briga, há dias de cessão, mas há dias, há muitos dias que estou feliz por voltarmos a nos "rever".

    toca esse trem aí que a vida é de seguir!

    bjo grande e mil obrigadas, mais uma vez!

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