7 de março de 2011

carnivàle


de manhã
abrir as cortinas e ver
se o sol acordou no céu
aliás
sol sempre tem
assim que a noite vai dormir 
o que às vezes não há
é coragem
pra enfrentar o frio do mar
e a ressaca da chuva
descer as escadas
dar bom dia a quem madruga
e falar com voz de anjo
a quem mal dormiu
e entre a manteiga e a geléia
escolher os dois
porque muito doce sem sal
é feito leite fresco e farto
que azeda
porque dele havia demais
pra beber
ouvir o burburinho da vila
a mãe que chama a filha
mais moça
seu retrato antigo
hoje vivo e jovem
amuleto do seu passado
o pai que lava o carro
mais velho
esfrega, enxagua, faz brilhar
o espelho negro
orgulho e prova
de sua macheza
os moleques travam uma pelada
na quadra em frente à janela
e gritam 'corre, a chuva voltou'
mas deixam pra trás
a bola cansada e rachada
macia de tanto jogar
é dia de tirar poeira e areia
lavar toalhas, lençóis
levar o menino ao mercado
pra andar no carrinho da feira
e esquecer do céu que chora
manhã de arrumar livros antigos
ouvir música conhecida
e sentir uma saudade dolente
de quem mora longe da vila
longe do calor que a chuva
abafa e vaporiza
saudade de quem nem pode ouvir
o repique dos tambores
e os saltos das sandálias de prata
das mulatas suadas e enérgicas
senhoras do seu sambar
de manhã
olhar para as nuvens gordas
que insistem em se pintar de cinza
e imaginar que elas formam
castelos, catedrais e torres
do mundo antigo
distante
e desconhecido
que os teus olhos contemplam
admirados, curiosos
e por onde tuas pernas compridas
se espicham, com vagar 
hoje é dia
de colocar os pés na calçada
inalar a maresia
que o vento traz
e o cheiro dos temperos
da casa do vizinho
é manhã de olhar as nuvens
livrar-se do arreio da imaginação
e deixar-se galopar em pelo
'vê, aquela mais escura é um avião'
que traz de volta para o morro
a alegria dos teus feriados
o sorriso fácil e inocente
dos malandros
que é feito o dos amantes
e o desejo de dançar
ainda que não seja um samba
mas uma valsa
um dois pra lá
dois pra cá
que o valha
só pra fazer o corpo animar
viver e suar
e sob o vermelho do poente
não mais um corpo
não mais a chuva
mas o abrigo sereno
de dois convivas
que festejam à sua moda
nas espumas da tua praia
sob o dourado das luzes
com as tuas telas
pintadas em marrom
e amarelo
teu sal e teu doce
'olha, o avião acaba de pousar'
e te traz sorrindo
nas malas poesia
história e ardor
e em teu lar
na quietude da música
e no compasso do meu eco
hoje é dia de celebrar
o teu próprio carnaval

2 comentários:

  1. Nuvens gordas, nuvens prenhes, eh gostoso ler a sua humanizacao da natureza rsrsrs Andre

    ResponderExcluir
  2. Gostoso mesmo é humanizar a natureza e tudo mais que é passível de humanização, meu amigo querido. Beijos!

    ResponderExcluir