5 de março de 2011

Conversando com Oswaldo Montenegro [da não-rasura]



Um dia, não muito distante de hoje, alguém me disse lembrar-se de mim ao escutar essa canção. Lembrar-se de nós. É curioso como as pessoas consideram os quadros, os quadros das coisas. Algumas enxergam o movimento, a vida, os traços, como o conjunto das coisas que não devem ser, e cada tom delas como uma mancha. Outras pessoas amam as tintas, os desenhos, as sujeiras, os rascunhos, os originais, a arte a nos tocar.
Meu poema não é pra quem eu escrevi, é pra quem não gosta de folhas em branco.

"Me desculpe o mesmo gesto
Meu constante gesto insano
Que por mais que a mente negue
Teu coração ele marcou
Como a lógica dos fatos
Que eu traí a todo instante
Rasurando nosso branco
Com a mistura que eu sou
Me desculpe o gesto louco
A aspereza da loucura
'Inda queima no meu calmo
Doido e calmo coração
Mas por que, se a gente é tanto
Nosso amor sofreu rasura?
Nosso inconfundível gesto
eu desfiz na minha mão
Me desculpe, ou melhor, não
Me abrace e comemore
Que a rasura que foi feita
Foi perfeita na sua hora
E mais que o mais perfeito
Rasurar valeu a pena
Como esteve rasurado
O primeiro original
Do mais lindo poema"

[Oswaldo Montenegro - Rasura] 

Eu nunca estive em branco,
Pra ser rasura,
Meu livro nunca esteve vazio de ti,
Pra que um dia disseste que 
Que nele havias rabiscado.
Só se for rabisco
Em cima de rabisco.
Mas eu não sou rasura,
E nem fui rasurada,
Eu sou uma tela inteira
Que um dia te fez de aquarela,
Se houve a mistura que eras,
Foi de tom e de ternura, 
Se houve o gesto insano
Não foi o desenho, 
Foi a rispidez dos traços,
Dos fugitivos tragos de amargura.
Mas eu não sou rasura
E minhas linhas seguem,
Abstratas, tortas, coloridas, minhas.
Não conheço mais seus desenhos,
Nem seus traços,
E a ti não atribuo mais
Qualquer tom de aquarela,
Agora é folha em branco
A folha que te olha.
Rasurar não vale a pena
Se pode-se quadro inteiro
Do que fora um poema.

3 comentários:

  1. Só uma coisa a dizer: o Oswaldo é uma das minhas obsessões. Saudáveis. E quando vejo o prédio dele no Leblon, sinto ganas de fazer muitas rasuras, abordar o porteiro, subir até lá, pedir uma "palinha" e uma xícara de açúcar e escrever uma crônica sobre isso depois. Rola...?

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  2. Anônimo7.3.11

    Se rola! Rola muito!
    Pra cada crônica sua sobre ele, um poema meu: promessa.

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  3. Olha que eu cobro, viu? Vou bolar uma. Já, já...

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