cinzas [tréplica]

"Carnaval de Arlequin", Joan Miró

hoje é segunda-feira
não é oficial
mas é legítima a sensação de que o tempo se arrasta
o feriado oficial é na quarta
mas hoje é feriado
e o coração está fechado para balanço
mas até que as cinzas desvaneçam
não é só na quarta que caem as cinzas
basta arder por dentro para virar borralheira
nada funciona 
ninguém funciona
e, quando funciona, é às avessas
os parques;
as almas;
o bom-senso;
o serviço de meteorologia;
os serviços de prestatividade;
o serviço secreto;
o trânsito;
a marcha consciente;
o andar pra frente que atrás vem gente;
os analistas;
a auto-crítica;
a boa, velha e falha intuição;
os cinemas;
o cinema nacional;
o drops de anis, longe de qualquer problema, com final feliz;
os banheiros químicos;
a propriedade privada;
as propriedades coligativas;
os sebos;
as obras originais;
a inspiração e a técnica;
as livrarias;
a arte válida;
a arte que seja expressão por si mesma;
meu pulso...
meus nervos...
minha esperança...
o que não para mesmo
o que não há de cessar
o que há de se repetir, ad nauseum
faça sol ou chuva
em enchente ou epidemia
na riqueza e na pobreza
são os blocos de rua;
são as marcas marginais;
são o pão velho e o circo sem-graça;
as escolas na sapucaí;
a educação falida;
o nouveau riche mal-educado por opção;
os foliões incontinentes;
os tolos incompetentes;
os alienados por excelência;
e o choque de ordem
e a ordem em choque
e o caos contemplativo
mas na minha cidade
mas no meu país
mas na minha rotina
tem carnaval
encobre-se em carnaval
há evasão pusilânime mascarada de euforia
até domingo que vem,
até o morro cair
até que eu caia em mim
pobre coração...
medíocre ilusão...
desgostoso arlequim...
tum, tum... tum, tum... tum, tum...
tum, tum... tum, tum...
tum... tum...
tum...
t.