28 de outubro de 2010

amores platônicos


Platão
Quem não teve ao menos um amor platônico na vida, não é mesmo? Pois eu tive alguns e, queixos caídos à vontade, ainda tenho um, bem guardado em meu peito. A palavra "platônica" vem, logicamente, do filósofo Platão que, na obra "O Banquete", dialoga com outros filósofos de sua época sobre vários temas, dentre eles, o amor. Assim, "amor platônico" é uma expressão usada para designar um amor ideal, alheio a interesses individuais. No sentido popular, é explicado como um amor impossível de se realizar, um amor perfeito, ideal, puro e casto.

Mas com filosofia não se brinca. Ainda mais em se falando de Platão, cuja obra dá uma coça em quem se atreve a ler. Porque a noção que temos de "amor platônico" não passa de uma má interpretação da filosofia de Platão, que vincula o atributo "platônico" ao sentido de algo existente apenas no plano das ideias. Porque "ideia", em Platão, não é uma cogitação da razão ou da fantasia humana. É a realidade essencial. O mundo da matéria seria apenas uma sombra que lembraria a luz da verdade essencial da ideia. Sacou? Jóia. Vamos tentar de outra forma.

A expressão "amor platônico", da maneira como a empregamos, é uma interpretação equivocada do conceito de amor na filosofia de Platão. Amor, para Platão, é falta e ausência. Ou seja, o amante busca no amado a tal ideia, a verdade essencial, que não possui. Nisso, supre a falta e se torna pleno, de modo dialético e recíproco. Cá pra nós, o Platão devia filosofar muito e transar pouquíssimo, né não? Ele ainda distinguiu três "modelos", por assim dizer, de amor: o terreno, que é o amor dos corpos; o da alma, que é o amor celestial e espiritual, que leva o homem ao conhecimento e o produz; e o terceiro, que seria a mistura dos outros dois, ou seja, o "amor platônico" e ideal, porque nasce da verdade essencial. Em todo caso o amor, para Platão, é o desejo por algo que não se possui. 

Mas Platão também passava horas do seu dia pensando no que seria a "paixão". Para ele, a paixão seria o desejo do que não se tem, claro, mas voltado exclusivamente para o mundo das sombras, o mundo irreal, totalmente o oposto da verdade essencial que ilumina. Na paixão, abandona-se a busca pela realidade essencial. E tem mais: Platão não diferenciava amor e paixão pelo prisma do sexo. Tanto o amor quanto a paixão seriam, para ele, permedos pelo sexo. A única diferença é que o amor platônico é ideal, e a paixão, uma sombra, a não-verdade de si mesmo.

A gente fala em paixões e amores platônicos como se eles fossem impossíveis de acontecer e Platão, lá em seu túmulo, deve se revirar convulsivamente de raiva por ter investido tanto tempo pensando em amor, e não fazendo amor, para agora uma legião de leigos utilizarem o seu conceito de maneira totalmente equivocada. É compreensível. Mas, Platão, leva a mal não, o pessoal daqui, amantes e não amantes do século XXI, não pensam no plano das ideias, não buscam a verdade essencial, não lêem filosofia. A gente quer mesmo é amar e ser amado. Ponto. Apaixonar-se e ser correspondido. Fecha parênteses. E, para citar o maior filósofo, poeta, boêmio, "pegador" e, ainda por cima, brasileiro, a gente quer tudo isso eternamente, pelo menos enquanto durar.

Eu, que gasto horas do meu dia com filosofia de botequim, embora não precise necessariamente ir ao boteco para filosofar, gosto mesmo é de usar a expressão "amor platônico" como todos os demais mortais a usam: como algo inatingível (mas, agora, a gente já sabe que não é isso. Amor platônico não só é possível, como ideal). Mas o bicho-humano tem mesmo essa mania de acumular um martiriozinho aqui, um sofrimentozinho ali, uma dorzinha de cotovelo "platônica" acolá... Então, jogue a primeira pedra quem nunca teve um amor platônico na vida. Um amorzinho só que fosse.

Meu primeiro amor platônico foi o Superman, ou o Christopher Reeve, ou o Christopher Reeve voando com aquela capa vermelha, não sei. Aos sete anos, eu tinha certeza absoluta de que me casaria com o Clark Kent. E, quando via os filmes repetidamente, à exautão, morria de ciúme e ódio da Lois Lane, aquela mulherzinha feia e que esnobava o coitado do Clark.

Aí, eu cresci mais um pouquinho e cultivei meu segundo amor platônico. Mas, sobre essa paixonite platônica, não dá para comentar, muito menos postar num blog. Tudo o que eu posso dizer é que não era super herói, nem ator americano, existia de verdade, alguém que eu via de vez em quando em carne e osso e quase morria de paixão juvenil. Bem, como eu sou humana, demasiado humana, e bem cabeça-dura, para não falar romântica e otimista mesmo, ainda nutro esperanças por essa paixão platônica. Principalmente agora, depois que reli meus livros de Filosofia e descobri que, de impossível, o amor platônico não tem nada.


Então, veio minha terceira paixão platônica, Francis Albert Sinatra. Bem, essa paixão era impossível mesmo, porque quando o Frank entrou na minha vida, eu devia contar uns seis, no máximo sete anos, e ele já estava bem caidinho em comparação com o Clark. Mas o meu negócio com o Frank não era físico, eu jamais pensei em ser a Sra. Sinatra. O lance era mesmo escutar aquele que foi consagrado como a voz do século XX, e ver aqueles velhos olhos azuis, cheios de bondade e carisma. Assim entrou para a história Francis Albert: "The Voice" e "The ol'blue eyes". Quando morreu, tudo o que eu conseguia pensar é que ele tinha vindo ao Rio de Janeiro, em dois de fevereiro de 1980, cantou para uma multidão de 150 mil pessoas no Maracanã e meu pai NÃO foi ao show. Eu não podia ter ido mesmo, tinha só dois anos e nem sabia o que era música. Mas Sinatra no Rio e nenhum membro da minha família para assistir? Inadmissível.

Minha última paixão platônica, que me conquistou também pelo viés da arte e da música, está vivo, tem cinqüenta e quatro anos, nasceu em 15 de março no Grajaú, aqui pertinho, ganhou o 1° lugar no Festival de Música Brasileira em 1980, tem todos os dentes tortos e amarelados, não sabe dirigir, nem digitar em um computador, fuma charutos fedorentos, usa sempre os mesmos jeans escuros e as camisas pretas, tem um cabelo e uma barba heréticas, mora num apartamento no Leblon que ele mesmo pintou com cores e motivos psicodélicos, enfim, é um hippie sujo cujas músicas eu amo e ouço desde os 12 anos. Uma vez alguém me disse que metade dos meus danos psíquicos se deve ao fato de eu ter sido "exposta" ao Montenegro tão cedo e ainda me expor até hoje. Puxa, aquilo me magoou de verdade. O cara não é material atômico nem kriptonita!

Minha prima me perguntou, uma vez, se eu passaria uma noite com o Oswaldo. E perguntou a sério. Eu quase desmaiei de tanto rir da pergunta dela. Mas ela insistiu: "E então? Você passaria uma noite com ele?". Se uma prima que você ama muito te faz uma pergunta, você ri, e ela repete a pergunta, é porque quer realmente saber a resposta, mesmo que você considere o tema uma grande e impossível bobagem. Eu fiquei em silêncio por uns segundos, para criar uma aura de segredo e mistério, fingi estar ponderando aquela possibilidade esdrúxula e, enquanto via a curiosidade da minha prima aumentar, ia pensando numa resposta boa para ela. Então, deixei minha verve piadista vir à tona e disse, com voz insinuante: "Mas é claro que eu passaria uma noite com ele. Uma noite in-tei-ra". Minha prima quase deixou o prato que estivera enxaguando cair. Então, terminei a resposta, desta vez, falando pra valer: "Uma noite inteira, ele no violão, de jeans e camiseta preta, e eu, lá no fundinho da sala, sozinha e meio melancólica, ouvindo as músicas dele e sonhando com a minha outra, verdadeira, real e possível paixão platônica".    

4 comentários:

  1. é, eu tbm AINDA nutro uma paixão platônica que canta, ai, ai, ai...! vou a todos os shows, e fico feliz só em vê-lo!! =)

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  2. Não vale dizer que tem AINDA uma paixão platônica que canta e não contar quem é o cantandor, caramba!

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  3. então, cá entre nós e todo o mundo blogueiro, é o João Cavalcanti, cantor do grupo Casuarina, um grupo de samba (leia-se SAMBA mesmo, nada a ver com pagode! éct!)! ele é uma graça, ai...!

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  4. Não conheço a peça. I'll google it, e depois fazer uma ode ao cara, aqui, nesse brógue de samba doido!

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