10 de outubro de 2010

Mães, Sementes e Danoninho

Meu filho tem três anos e já vai à escolinha. Claro que leva merenda de casa, numa mochila do Homem Aranha que ele adora, com direito a uma merendeira menorzinha com garrafinha e tupperware (para ele, "meu tapoé").

Mas quem adora mesmo essa história de merenda de criança é minha mãe, a responsável oficial por estocar minha despensa semanalmente. Mãe é mãe, não tem jeito, e se não fosse pela minha, a merenda do Arthur seria das mais insossas possível, porque se há uma coisa que eu realmente odeio nessa vida é fazer supermercado. Então, habitam o armário da minha cozinha dezenas de pacotes de biscoitos recheados dos mais variados sabores, bolinhos do tipo Ana Maria, batatas chips, suquinhos indescritíveis, pães de mel com recheio de nozes (estes, confesso, como todos. Deixo só um para o molequinho), bebidas lácteas mil.

Minha mãe, além de adorar supermercados, tem uma relação especial com a comida, que eu infelizmente não tenho. Quem se relaciona dessa forma única com a comida sabe que "gastrônomo" vem do grego γαστρονόμος, que tem a mesma raiz de αστρονόμος, que quer dizer "astrônomo". Preste atenção nessas letras gregas; elas de fato têm o mesmo radical. Assim, o universo, o cosmo e as estrelas estão contidas na arte de preparar um prato, de servir uma comida bem feita, de se alimentar e ser parte desse universo. Por isso, minha mãe estoca minha despensa a guisa de carinho, afeto, atenção e amor. Mas eu só entendo isso agora, quando sou mãe também, e tenho minhas próprias e inusitadas formas de demonstrar meu amor por Arthur.

Há quase duas semanas, minha mãe resolveu comprar iogurtes para o Arthur. Meu filho tem umas esquisitisses: não gosta de iogurte, nem ovo, nem banana frita. Enfim... Cada um é cada um, não é o que dizem?, e ele não sabe o que está perdendo afinal, coitado do meu filhote. Hoje de manhã, abri a geladeira e decidi dar cabo dos iogurtes que estão lá, antes que o prazo de validade deles expire. E, além do mais, iogurte de criança na geladeira, por si só, já é uma bela tentação a um estômago adulto vazio e carente.

Lembra do Danoninho? Aquele que vale por um bifinho. E aquele que rendeu a nós, mulheres, pegadinhas odiosas no primeiro grau na escola, quando os moleques mais velhos perguntavam para a gente: "Escuta, você gosta de dá no ninho?". Claro que nenhuma de nós que caiu nessa pegadinha, respondendo: "lógico que sim", teve oportunidade de ler a frase acima. "Dá no ninho" e "danoninho" são vocábulos homófonos, caramba, embora com significados amplamente diversos. Eu confesso. Caí feito uma pata nessa pegadinha, e mais de uma vez, e ficava tão brava que cerrava os punhos e dava um pega no moleque que me fazia de otária com menos de dez anos. Um deles, o Bruno "Xuxa", até levou um chute nos bagos por causa dessa pegadinha. Mas isso faz tanto tempo que ele nem deve se lembrar mais. 

Voltando à vaca fria, a Danone, fabricante do Danoninho, lançou uma edição limitada da iguaria, que eu só descobri porque, hoje de manhã, dignei-me a olhar direito para a bandejinha do iogurte - que nem é iogurte, mas queijo tipo petit suisse - o que, ao final e ao cabo, dá tudo na mesma, porque é uma delícia do mesmo jeito. A edição limitada deve-se a uma promoção para incentivar o senso ecológico da criança: "Danoninho para Plantar". Cada bandeja vem, então, com um um "sachê com sementes surpresa", olha que barato! A criança só descobre as sementes que ganhou quando abre a bandejinha, pega o sachê e lê o que há no conteúdo. As sementes disponíveis na promoção são: agrião, camomila, cenoura, chicória, manjericão, rabanete, rúcula e, a melhor e mais especial de todas, girassol. Todas produzidas por um tal de SI Sementes Ltda, com resgistro no Ministério da Agricultura. É incrível o que esse pessoal do marketing faz para incentivar a venda dos produtos e, nesse caso, a idéia de plantar que, desde cedo, nós, descendentes de nômades agricultures pré-históricos, adoramos.

A coisa funciona assim: a criança primeiro toma o Danoninho (sem piadas, moleques crescidos, por favor), depois lava o potinho e coloca um chumaço de algodão com um pouquindo de água, no pote do próprio iogurte, que cabe perfeitamente nas maozinhas de qualquer guri. Depois, despeja as sementinhas lá dentro e espera os brotinhos nascer, o que, segundo as instruções, leva no máximo cinco dias, isso se a criança não se esquecer de adicionar água no potinho diariamente. 

Depois, vem o melhor da promoção. Quando as mudas atingirem dez centímetros, a criança precisa retirar a plantinha com todo cuidado do potinho para não danificar a raiz e colocá-la num canteiro com 15 cm de altura, fazer o replantio com terra vegetal (terra de verdade!) até cobrir o caule e, daí em diante, regar sua plantinha uma vez ao dia, no início da manhã ou no final da tarde. Aí, dependendo da mãe da criança, começam os ensinamentos agrícola-filosóficos embutidos nisso tudo. A importância de você plantar suas próprias sementes, cuidar delas diariamente, aprender a regar (educar?) na quantidade certa - água de menos, a plantinha seca, água demais ela murcha e morre, do mesmo jeito - a beleza de ver aquilo que você plantou, num potinho de Danoninho, crescer a cada dia, até florescer, num canteiro bem maior... E se a paixão pela terra "pegar" a criança pelo coração, e não necessariamente pelo estômago, mais sementinhas ela vai querer que a mãe compre, mais sementinhas ela vai plantar, transplantar para o canteiro e por aí vai, até a casa ir aos poucos se transmutando em uma hortinha, um jardim, um sítio, uma fazenda... 

Bem, mas esses são sonhos meus. Afinal, hoje quem abriu o sachê de sementes surpresa fui eu, e fui eu quem as colocou no potinho de Danoninho num chumaço de algodão, porque meu filho está passando o domingo com o pai. Juro que se elas não brotarem, vou ter a mesma decepção - se não pior - do que um piá de três anos. No folheto explicativo, a Danone expôs sua campanha da seguinte maneira: "1. Brincando de plantar" (como se plantar fosse brincadeira, mas vá lá, tudo pelo incentivo ecológico), "2. Plante sua árvore virtual", com instruções no site http://danoninho.com.br/florestadodino e "3. Ajude a reflorestar a Mata Atlântica", onde a cada árvore virtual plantada e cuidada, a Danone, em parceria com o IPE (Instituto de Pesquisas Ecológicas), vai reflorestar 1m² da Mata".

Claro que a criança não pode sair plantando árvores virtuais ao léu. Para isso, ela precisa inserir no site o código que vem no interior da embalagem do produto. Como eu disse, é tudo uma questão de marketing, de aumento de vendas, embora, vá lá, imbuído de um certo senso de atitude politicamente verde. Mas, por outro lado, qualquer criança, adulto ou idoso pode sair plantando árvores de verdade ao léu. Para isso, só precisa de um potinho pequeno com algodão, por cinco dias, até as sementes brotarem, depois transplantar para um canteiro de meros 15 cm de altura e ir, aos poucos, plantando seu jardim, sua horta, seu sítio... 

Vamos ver o que o Arthur vai querer fazer com as próximas sementes surpresa. Para isso, minha mãe vai ter que comprar outra bandeja de Danoninho que eu, e não o meu filho, vai acabar comendo. Seria ótimo ver meu filho fazer esse processo todo e, como num sonho dourado, me pedir: "Mamãe, posso levar minha plantinha para a roça?". Mas estas são expectativas minhas, que não posso, não devo transferir para o meu filho. Ser filha e mãe é mais ou menos isso: plantar, regar na quantidade exata, deixar a muda crescer, florescer, dar frutos e espalhar suas sementes e, o mais importante, aprender a não transferir expectativas.

Sabe qual foi a maior e melhor surpresa disso tudo? Advinhe qual foi a minha semente surpresa...? Girassol, claro. E elas estavam ali, esquecidas na geladeira há quase duas semanas... Então, essa bandeja de Danoninho não foi um presente "gastroastronômico" da minha mãe para o neto dela, mas para mim, sua filha. E não haveria de ser, não poderia ter sido diferente, porque minha mãe, que aos trancos e barrancos comigo, quer o melhor para mim, como eu para ela e para o meu filho, vive me dizendo: "Roberta, filha, põe os pés pra frente, deixa de ser cogumelo e vira girassol!".

Hoje de manhã plantei as sementinhas, mãe, a única que eu tenho e vou ter até o fim dos meus dias. E, um dia, prometo, ainda hei de me tornar o girassol luminoso, digno do Vincent Van Gogh, que você tanto espera de mim.                

5 comentários:

  1. esse Danoninho com semente ainda está à venda? COMO FOI QUE EU PERDI ISSO???

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  2. ps: vc sabe que sua vida é sem graça qdo vc vai ao supermercado e não vê Danoninho com sementes!!!

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  3. Totalmente sem graça e, pior, sem sentido. Mas ainda tá a venda. Se vc não achar, te mando os que tenho aqui, pelo correio!

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