23 de outubro de 2010

e se...


"Alice", de Tim Burton
 Dois monossílabos: "e"
"se"
Quando isolados
não têm conotação alguma
O primeira alude à soma
O segundo aponta para a incerteza
E só.

Mas, juntos, esses vocábulos formam
uma frase curiosa e reticente
"e se..."
Onde a interrogação já vem como consorte
pendurada na última letra
feito uma sombrinha amarela na ponta de uma estrela
"E se...?"

Juntas, adornadas de reticências e
com uma interrogação endiabrada,
essas duas pequeninas palavras têm um poder imenso
Elas podem escancarar portas e janelas
arrebentar trincos e tramelas
e exibir horizontes de amplas possibilidades
quando norteadas para o futuro

"E se eu puder ser mais e melhor do que sou...?
E se ela, descontente com a vida, reescrever um roteiro diferente,
com um final surpreendente...?
E se nós nos dermos as mãos
e, juntos, caminharmos sob o Cruzeiro do Sul...?
E se ele sair e nunca mais voltar...?
E se eu o prender, e ele parar de cantar...?"

Mas as palavrinhas também podem assombrar
a alma, os ouvidos e a consciência da gente
Pintar-nos a memória de chumbo
e transformar qualquer um em estátua abandonada de praça
e espantalho de milharal
ou banco vazio, sem viva'lma para sentar
Quando enviezadas para um passado que nunca chegou a ser presente

"E se eu tivesse sido mais e melhor do que fui...?
E se ela tivesse reescrito o roteiro de sua vida...?
E se nós tivéssemos tido coragem de andar de mãos dadas
sob o Cruzeiro do Sul...?
E se ele tivesse saído...?
Teria voltado...?
E se eu o tivesse pedido para ficar,
continuaria cantando...?"

E se eu viver um dia após o outro
no presente que é a realidade palpável da vida
e deixar que o futuro venha de encontro a mim
como conseqüência do presente que eu construo...?
E se eu permitir que a esperança
viva em meu peito
sem medo de que ela, a esperança,
me inebrie os sentidos...?
E se realmente tudo sempre se resolver ao final
porque, se ainda não se resolveu,
é porque não chegou ao final...?

Eu amo os "e se...?" de cada curva do caminho
de cada encruzilhada da estrada
de cada página que viro em minha vida
Mas, escaldada por perdas e, ainda assim,
com a cabeça para fora do lamaçal
para respirar ar puro
e me (re)erguer a cada tombo
aprendi a direcionar os "e se...?" que me visitam
sem convite nem aviso prévio

Meus "e se...?', aponto-os sempre para o futuro
para poder abrir janelas que me mostrarão a paisagem
que uma porta fechada escondia
Prefiro possibilidades,
mesmo que remotas,
mesmo que fracassem no futuro
a viver subjugada a um pretérito imperfeito
a uma condição contrafactual
que não se verifica na realidade
porque nunca tem conseqüência alguma no presente

Algo como: "E se eu tivesse dado esse recado
de uma maneira diferente...?
E se eu não tivesse escrito nada disso...?"
Sofisma.
Já o escrevi.
Meu recado já virou presente, um fato palpável
não é mera condição contrafactual
Então, para não fugir ao hábito,
programo cada fibra minha
que ainda tem forças para zunir
berrar, urgir e influenciar
Estufo o peito, aprumo o corpo
e penso:


"E se eu não tivesse tomado a azul...? E se eu não tomar nehuma...?"
 "E se meu recado valer uma mudança,
e se eu for compreendida,
e se essas linhas fizerem com que o dia de alguém
brilhe mais, com mais cor e intensidade...?
E se o meu coração estiver correto...?
E se nutrir esperanças ainda valer a pena...?
E se eu ainda for tudo o que eu gostaria de ser...?
E se você pensar e sentir como eu...?

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