30 de outubro de 2010

inércia

s.f. Estado do que é inerte: a inércia dos corpos inorgânicos.
Fig. Falta de ação; preguiça, indolência, torpor.
Falta de energia moral ou intelectual.
Física. Propriedade que têm os corpos de persistir no estado de repouso (ou de movimento) enquanto não intervém uma força que altere esse estado.
Medicina. Inércia uterina, contração insuficiente do útero durante ou após o parto.

Às vezes eu gosto de consultar o dicionário. Se a palavra for desconhecida, o vernáculo é obrigatório, não tem jeito. Mas, no caso em questão, quando uma palavra me vem assim, em forma de insight, mesmo que eu conheça o significado pleno dela, gosto de ler as definições que um dicionário oferece. Talvez seja só mais uma de minhas idiossincrasias - essa palavra difícil e linda que se pode usar como atenuante para "maluquices", mas quando vejo as definições de uma palavra que, de fato, conheço, tenho a mesma sensação de alguém que ficou fora de casa por um tempo.  Na volta, o "viajante" sabe que aquela é sua casa, a mesma casa, mas o seu olhar sobre ela mudou, já não é mais o mesmo olhar. Então, é como se a casa também tivesse se modificado.

Há cerca de dois meses algo mudou dentro de mim. Vi-me tomada de assalto por uma vontade de sair, de andar e de correr, como a buscar por algo precioso que deixei para trás, ou encontrar um pedaço de mim mesma que me falta e me impede de completar o quebra-cabeças da minha vida. Mas, como dizia o velho e bigodudo Nietzche, tudo na vida é um eterno retorno, portanto, de idas e andanças e corridas, há de se voltar ao ponto de origem um dia, nem que seja para recarregar as baterias da alma. Foi nesse nó que percebi a tal mudança em mim. De volta, não consegui reintegrar-me às origens e ao baile que se dançava ali e, da correria e euforia, mergulhei numa lentidão entorpecida.

Então a palavra "inércia" atingiu-me a consciência. Mas, veja bem, no sentido figurativo que ela possui: "Falta de ação; preguiça, indolência, torpor. Falta de energia moral ou intelectual". Pensei na conotação popular de "inerte" e foi assim que me senti: como de mãos atadas, presa a algo que me impedia de seguir em frente, pura e simplesmente. E não há nada mais contraproducente do que estar inerte. Você passa a viver e comer em horários alternativos, arrasta-se pelo mundo com um vagar assombroso, quer se enconder da vida e das pessoas, enfim, transforma-se numa velha árvore retorcida habitada por um, no máximo dois corvos agourentos.

Entretanto, lembrei-me do meu velho amigo dicionário. E, com ele, das aulas de Física com o professor Joel, que há milênios ensina a 1ª Lei de Newton, que é o primeiro princípio da Dinâmica dos Corpos e que, ao final e ao cabo, tem tudo a ver com a inércia. Segundo o Princípio da Inércia, que vem a ser a 1ª Lei de Newton, todo e qualquer corpo dotado de massa tende a permanecer no estado em que se encontra, parado ou em movimento, até que uma força externa intervenha e altere esse estado. A inércia refere-se, portanto, à resistência que um corpo oferece à alteração do seu estado de repouso ou de movimento. Assim, quanto maior a massa do corpo, mais resistência ele vai oferecer à força externa, ou seja, maior a inércia. E, por outro lado, quanto menor a massa, menor a inércia.

Por isso consultar um dicionário ou, nesse caso, um antigo livro de Física, vale sempre à pena. Meu insight com a palavra inércia atingiu-me de maneira tão certeira que eu tive que pesquisar mais sobre isso e, dessa forma, descobrir mais sobre a mudança que se instaurou em mim há uns dois meses.  Inércia não é estar inerte. Basicamente, qualquer corpo, eu, você, um rato, um carro, uma cadeira, um pássaro, enfim, qualquer corpo deseja terrivelmente continuar em seu estado inicial, seja ele de repouso ou em movimento. Por isso, quando você está num carro, por exemplo, e freia, seu corpo é jogado para frente, porque ele tende a permanecer como estava, ou seja, em movimento. Por outro lado, se você estiver pacificamente montado em seu cavalo, paradinho sob a sombra fresca de uma mangueira, e esse cavalo, um garanhão inteiro, vê uma égua a cem metros de distância e dispara à galope, você é impulsionado para trás, porque tende a ficar em repouso. A inércia é exatamente essa resistência que os corpos têm de mudar de estado. O que eles querem é permanacer em movimento ou paradinhos, eternamente. Mas sempre há uma força externa para interferir no estado dos corpos. E, de uma forma ou de outra, quebra-se a inércia.

Matemática e Física são as coisas mais belas do Universo, principalmente quando associadas à Filosofia. O problema é que, na grande maioria das vezes, um físico não se bica com Platão, assim como um estudante de Filosofia mal sabe somar sem usar os dedos da mão. Esta é uma realidade lastimável. Porque se ambos, físicos e filósofos, andassem de mãos dadas, o homem lucraria muito mais com o auto-conhecimento e o conhecimento sobre o mundo adquiridos através dessa parceria.

Pensando em cada um de nós como um corpo isolado no espaço, imagine o número de forças externas que atuam sobre nós o tempo todo (chega de Física. Não vou falar dos ínumeros tipos de força envolvidos na Mecânica. Agora, quero entrar um pouco no mundo imaterial da consciência e da subconsciência). O problema é que somos corpos dotados de massa, sim, mas também de pensamentos, sentimentos, sonhos, desejos, planos, fraquezas, virtudes e mazelas. E a tal inércia, no mundo impalpável de nossas mentes, ganha outro nome: conformidade. Exemplos banais do dia a dia, mas que ilustram bem essa questão: quanto mais você come, mais tende a comer. Quanto menos come, menos tende a comer. Quanto mais sexo você faz, mais sexo tende a fazer, quanto menos sexo faz, menos sexo vai continuar fazendo. Se você trabalha num ritmo de 12 horas diárias, tende a continuar trabalhando assim, mas se está vendo televisão a tarde inteira há meses, dificilmente vai sair de casa para trabalhar. É a mesma coisa com atividade física: quanto mais você anda ou corre na esteira, mais facilidade terá em continuar nesse estado. E, se for diminuindo o ritmo, a tendência é que você vá, inevitavelmente, para um estado de sedentarismo. Isso é inércia. Ou, em palavras de filósofo, conformidade com o estado em que se vive. Você pode também, nesse universo, denominar a inércia de hábito ou, outro sinônimo, costume.

A maior parte de nós se constitui de seres, atolados ou em movimento, que desejam permanecer exatamente assim, sem interferências externas da vida. Afinal de contas, uma vez em estado confortável e habituados a ele, a ideia de mudança não chega a ser benvinda. Mas o mundo é todo movimento, caos e mudança constante, e age sobre nós inexoravelmente, quer que planejemos uma mudança de estado, ou não. Se a força que atua sobre nós for resultado de um plano, de um querer nosso, saímos do estado de inércia e conformismo, ou hábito com mais tranqüilidade, sem maiores solavancos e pouca turbulência. Mas, se a força externa vem no susto, e na maioria das vezes é assim que a gente desperta da inércia, vamos para frente ou para trás aos trancos e barrancos, caindo do cavalo e batendo de cara no pára-brisas do carro.

Mas somos, também, corpos dotados de consciência, adaptabilidade e livre-arbítrio. E, aqui, entra o divisor de águas da inércia, do conformismo, do costume e dos hábitos. Atingidos por uma força externa, dividimo-nos em dois grupos diametralmente opostos de seres humanos na forma de lidar com tal força: o primeiro, mais adaptável e maleável às mudanças da vida, entra em novo estado, seja de movimento ou repouso, sem muita filosofia, nem discussão. Simplesmente continua sua vida. O segundo grupo, o dos refratários, incorfomados e questionadores, custa a entrar num ritmo novo e diferente, demora a aprender as novas regras do jogo, não dança confome a música de uma nova banda, enfim, fica "inerte" porque não consegue seguir em frente diante dessa força externa que chacoalhou sua vida. Quando pesados em uma balança, aqueles do primeiro grupo são mais fortes, práticos e ágeis. Vencem a corrida do tempo. Os do segundo grupo ficam para trás, como se os faróis de seus carros iluminassem o que ficou, e não o que está por vir. Esses não apenas perdem a corrida, como sofrem mais, perdem mais tempo, mais oportunidades e vão sufocando lentamente, até entrarem no esquema que o mundo lhes impõe.
    

Acredito que cada um de nós saiba a qual grupo pertence. Eu, infelizmente, faço parte do time dos retardatários. Sempre fiz, desde que comecei a dar meus próprios passos. A mudança, ou melhor, a força externa que me faz sair de meu estado de inércia, é algo que me assusta, me faz empacar diante da necessidade de readaptar meu universo à nova ordem. Na vida prática, ser assim me custa caro. Na emocional, me vale um mapa de cicatrizes pela alma. Depois de pensar muito a partir de uma palavrinha que me veio à mente e, principalmente, depois de ter que organizar minhas ideias para escrever essa crônica, as razões pelas quais me permiti ficar "inerte" diante de forças externas, estão começando a ficar mais claras para mim. Os últimos cinco anos da minha vida foram, em suma, mudança após mudança, sem que eu tivesse ao menos tempo para respirar entre uma quebra de inércia e outra. Bem, talvez eu tivesse tido esse tempo para respirar, para me adaptar, mas, como sou do time dos babacas que só pegam no tranco, fica para mim agora a impressão de que não houve tempo para respirar. Sufoquei.

Não dá para explicitar, nesse espaço de leitura, que forças me fizeram mover, andar e correr e, depois, voltar a um estado de latência. Se não, isso seria uma pequena auto-biografia, ou um diário. E aposto meus cinco dedos da mão direita que ninguém estaria interessado numa auto-biografia desta que lhes escreve. Eu não sei, ao certo, para que serve a inércia, fisicamente falando. Não sei porque os corpos tendem a permanecer no estado em que estão, oferecendo resistência à mudança. Mas deve haver uma razão lógica para a existência da inércia. As coisas no universo das ciências sempre têm seu lugar e uma explicação envolvendo causa e efeito. As coisas do coração, bem, essas nem explicação têm...

O que eu queria, mesmo, era uma fórmula, uma equação que eu pudesse estudar, compreender, decorar e aplicar à minha vida, para poder passar para o time da galera que não fica patinando quando qualquer força externa os retira de seu estado inicial de vida, consciência, permanência ou movimento. A vida mais retira de nós do que tem a nos ofertar, o mundo já é inclemente demais para que alguém leve mais de cinco minutos para perceber que o cenário mudou. Eu queria mesmo é aprender a Lei do Desapego. Mas, essa, nenhum físico descobriu ainda.     

2 comentários:

  1. eu saí da minha inércia HORROROSA e mandei um email pra vc, acredita? hope you like it.

    =]

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  2. Loved it. Pure and simple. I always love, actually, crave for your comments! Love you, hun...

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