30 de outubro de 2010

inimigos

"Belerofonte e Pégasus Atacam Quimera" Rubens
dois inimigos implacáveis,
titãs cruéis e incontroláveis
moram dentro de mim
e tanto um, quanto o outro
lutam entre si
e comigo
para decidir na força
quem vai ser o imperador de mim

não sei ao certo qual deles
quer meu bem
e qual quer meu mal
por vezes penso que,
inimigos mortais os dois,
nenhum deles deseja me ferir de fato
embora, num sem fim de vezes
eu saia coberta de chagas de suas batalhas selvagens

o que me assombra e revolta
é que esses dois rivais
habitam meu corpo, minha mente e minha alma incauta
não pagam aluguel algum por isso
ao contrário, apenas exigem munição de mim
e ainda pretendem dominar minhas ações
eles esquecem que, entre um e outro
estou eu. Eu apenas.

seus duelos e embates
fazem um barulho retumbante
que ressoa em meus ouvidos
e, por pouco, não me põem para fora
do meu próprio corpo
despejada, solitária e nua,
ponho-me a pairar, etérea e muda, sobre suas querelas
à revelia dos que são mais fortes do que eu

ah, sim, isso é uma questão de força
nesse caso, de fraqueza minha
porque à medida que os dois combatentes
ambos autoritários e pretenciosos,
ensandecidos para me fazer de fantoche de um deles,
vão abrindo campos de batalha dentro de mim
dilacerando-me a carne frágil e carente,
meus contornos vão se volatilizando, até sumir...

e se eu sumir, desaparecer ou virar éter?
onde esses dois oponentes
que se odeiam, mas, sem perceber
completam-se um ao outro
vão morar...?
eles deveriam conceder uma trégua
se não a ambos
pelo menos a mim

porque, do contrário,
correm o sério risco de ver sua casa
olhar para uma Lua Cheia no céu
e querer fazer morada por lá
e, para a Lua, nem um nem outro
deseja morar
porque, de lá, perderiam de vista o objeto de seu amor
que é também o meu, o mesmo

na verdade, não somos tão ensandecidos assim
moramos juntos, eu e os dois inimigos
mas somos uma trindade inseparável
que compartilha os mesmos desejos e quereres
sem eles, sou éter volúvel
sem contornos que me definam e falem por mim
sem mim, eles não poderiam sobreviver um dia sequer, pobres infelizes
porque, sem mais delongas, são parte do meu eu

então, somos obrigados a viver juntos
numa guerra sem fim, pontilhada de intolerância juvenil
eu luto para ter as rédeas de minha identidade em mãos
para ser eu, e não um deles, o imperador de mim
para que eu possa decidir que caminho tomar
sem que, em minhas entranhas, travem-se combates insanos
e eu sobreviva, sem feridas mortais, das rixas intransigentes
entre o meu coração e a minha razão. Meus doces, incompatíveis inimigos.


coração, "razão raiz", coração, "razão preto no branco"...


3 comentários:

  1. e quem não está dividido?!

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  2. Bem-vinda ao clube. Quem não está dividido, é perfeito. E quem é perfeito?

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  3. Ninguém é perfeito, não é, meu amigo? Obrigada por comentar, Rogério. Aos poucos, com os comentáruios de amigos, vou revivendo.

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