14 de outubro de 2010

Fale pouco, mas não deixe de falar


Se há um conselho que todo mundo já deu, ou recebeu, é o fatídico: "em boca fechada não entra mosquito". Uma maneira adoravelmente popular de dizer que, uma vez em convívio social, a chance de errar ao emitir uma opinião decresce à medida que não se emite opinião alguma, ou, em outras palavras, ao se omitir toda e qualquer opinião possível, o indivíduo se resguarda de eventuais críticas e, de quebra, ainda sai da conversa com um glamouroso ar de mistério, distanciamento e discrição. 

Há, basicamente, três tipos de pessoas em suas maneiras de emitir opiniões: alguns falam exatamente o que pensam, na hora exata em que o pensamento se forma em suas mentes; outros pensam, guardam a elucubração para si e não dizem absolutamente nada (seguindo o famoso conselho); e há os que pensam e falam algo completamente diferente da idéia inicial, como se a esconder seus pensamentos e, ainda assim, emiti-los.

Acredito que, para alguém que se dá ao trabalho de ter um blog e postar seus pensamentos escritos rotineiramente, é desnecessário dizer que eu pertenço ao primeiro grupo. Sempre fui assim, desde as minhas memórias mais antigas. Falar o que penso, não importa a quem e onde, me rendeu uma fama positiva, de certa maneira - quem me conhece sabe que mentir nunca me apeteceu, e sabe também que quaisquer baboseiras que saírem da minha boca serão honestas. Por outro lado, com o lado positivo da coisa, veio também a fama de "aloprada", garota sem papas na língua nem escudos para se resguardar da opinião alheia, esta que se forma no momento exato em que você emite a sua.

Se eu precisasse contabilizar de alguma maneira este hábito de falar o que penso, na forma de perdas e ganhos, seria desonesto dizer que obtive mais vitórias do que derrotas. Porque, afinal de contas, ninguém é uma ilha, e somos todos obrigados a viver em sociedade, andando em círculos pelos limites dos outros e dos nossos próprios. Isso é mais óbvio do que nossa imagem descabelada refletida no espelho logo de manhã. Imagine o seguinte cenário: num restaurante japonês, com seus amigos, travados num belo sushi, você pensa: "puxa, bem que uma picanha cairia bem melhor agora", e diz isso em voz alta. Pronto. Você acabou de perder um ponto. Poderia ter terminado a refeição sem esse "furo", certo?

Certo, se você considera suas relações com outros seres humanos como um constante embate social, em que sua estratégia de guerra imbatível é a defesa. O problema é que, se defendendo demais, a gente pode acabar ir parando no banco dos reservas. Suponhamos que, lá no tal restaurante japonês, você não fosse o único a pensar que uma picanha cairia bem melhor. Suponhamos que, num grupo de seis amigos, por exemplo, você e mais três pensassem exatamente a mesma coisa. Se alguém externalizar tal pensamento, o programa pode se transformar por completo, ainda mais considerando-se que a noite, e nós todos, somos uma criança. Assim, de um pensamento que veio aos lábios e, deles, virou palavra dita, o restaurante japonês poderia ser trocado, no improviso, por uma churrascaria e, nesse caso, quatro pessoas teriam uma noite mais agradável, enquanto as outras duas poderiam até acabar gostando da idéia.

Não tem receita para errar ou acertar quando se fala, se escreve ou, ainda, quando se deixa transparescer o pensamento pelo gestual do próprio corpo. A coisa é até bastante simples: 50% de chance de abrir a boca e dizer uma bobagem sem tamanho, e 50% de chance de abrir a boca e dizer algo que pode mudar o dia, o estado de espírito e a vida de alguém, ou mesmo a sua.

A questão é mais intrincada do que simplesmente dizer o que se pensa, não dizer nada ou dizer o que não se pensa. Essas escolhas são orientadas, de fato, pelo otimismo ou pelo pessimismo que conduzem o barco em que a gente vai remando pelo rio do mundo. Quando se espera errar sempre, o pessimista acaba se anulando não apenas dos outros, mas de si mesmo, indo para o banco dos reservas, como eu disse anteriormente. O otimista, esse palhaço eterno, arrisca-se mais e erra mais, mas também acerta algumas boas vezes. E, talvez o mais importante, ele não se anula, ou melhor, não se ausenta do mundo nem de si mesmo.

Dar sua opinião verdadeira é, também, uma forma de querer ser responsável por alguém que pediu sua opinião. A Martha, minha melhor amiga, por exemplo. Não adianta perguntar para ela: "o que você faria no meu lugar?". A resposta dessa mineira que diz "ser do mundo" é sempre a mesma, não importa quantos anos se passem e a distância que nos separa: "eu não estou no seu lugar, não sou você, não dá para opinar". Martha é Pôncio Pilatos; lava as mãos e não erra nunca. Mas, olhando para trás, a bandida bem que poderia ter me dado um conselho ou outro e, quem sabe assim, me alertado de alguns buracos na estrada que ela viu lá de longe e em que eu, às cegas, caí.

Particularmente, sou o tipo de gente que gosta de conselhos. O duro é encontrar bons conselheiros, ou quem queira se envolver o mínimo para dar um conselho. Às vezes penso que todo mundo quer mais é ficar na sua, sem se meter na vida da gente, mesmo que a gente peça para que se metam. Para mim, isso é algo evasivo demais, como se todos vivêssemos em sociedade, juntos, criando laços de amizade, com nossos pais, filhos e amantes, mas estivéssemos submersos numa nuvem de éter, onde os próprios contornos das pessoas vão se volatilizando até sumir na poeira dos dias.

Se me pedem um conselho, eu dou, como se estivesse na própria pele da pessoa. E vou até o final daquela história, para não tirar o corpo fora caso meu conselho não tenha sido de grande valia. Até porque, quando se opina, não vale só abrir a boca para falar e, segundos depois, tomar um avião para o Congo sem passagem de volta. Se você opinou, se deu um conselho, é importante que esteja presente num momento decisivo de alguém porque, não tenha dúvidas, esse alguém é no mínimo um amigo seu, alguém que você preza.

E, mais do que dar conselhos, eu gosto de ser aconselhada. Gosto de gente em geral; o bicho-humano é meu grande interesse nessa vida. Gosto demais de ouvir o que têm para me dizer e, para não sair dando cabeçadas na vida, filtro bastante o que escuto, os conselhos que me dão. Quando você abre os ouvidos para o mundo, é surpreendente que, num susto, uma verdade antiga, uma carícia em palavras, um conselho que nem tinha a intenção de ser conselho cheguem até você.

Um dia desses, no trabalho, atendi um cliente que, de cliente, já se tornou amigo nosso. Ele é casado com a mulher mais doce e linda desse mundo, uma morena esguia, de cabelos negros compridos e lisos, com olhos rasgados feitos os de uma índia. Ele tem um problema com fungos alienígenas, malditos no tubo digestivo que, aos poucos, lhe tiraram a voz. Não, ele não é mudo, mas sua fala é rouca, muito baixa. Antes de ir embora, me pediu uma caneta e um papel emprestado. Dei-lhe a Paper Mate que eu usava na hora e uma folha em branco. Ele escreveu assim: "A vida só gosta de quem gosta dela". Me devolveu a caneta, deu uma piscada para mim e foi embora, levando nem me lembro mais o que.

Não sei o que lhe deu na cabeça para me "dizer" aquilo. Vai ver eu devia estar com uma cara de pouquíssimos amigos, embora acredite que não. Vai ver ele é uma dessas pessoas que enxerga a aura do outro, vai saber. Ou talvez o fato de ter escrito aquilo não tenha significado lhufas para ele, embora, naquele momento, tenha significado o mundo para mim. Foi, digamos, um conselho que eu não pedi, e que ele, com certeza, ignora que me deu. Por isso insisto em dizer que jogar na defesa o tempo todo pode não ser a melhor estratégia no futebol da vida. Defendendo-se demais, ou o tempo inteiro, você pode perder um gol. Ou dois, ou três...

Pode até ser conveniente, mas não é uma forma de abraçar a vida. E isso, noves fora, é opinião minha. Opinião de quem opina, erra pra burro, acerta pra cacete e vai pedindo alguns conselhos pela estrada. Ah, claro. Resguardar-se é preciso. Silenciar é fundamental. Não meter o bedelho onde não se é chamado é essencial. Mas passar pela vida, ou melhor, deixar que ela passe por você a guisa de Pôncio Pilatos o tempo todo é, no mínimo, uma maneira nada corajosa de dar o seguinte recado: sou uma ilha, não falo nem ouço.

No frigir dos ovos, para tentar alcançar esse bendito - e tão difícil - meio termo, fale pouco, se quiser. Talvez seja até melhor falar pouco para ouvir mais. Mas, definitivamente, não deixe de falar o que pensa nunca. Arrepender-se pelo não dito, e por isso eternamente esquecido e perdido no vazio das palavras, definitivamente dói mais do que se arrepender por uma bobagem dita com boas intenções. Fale, escute, abra os olhos e toque a vida, como o padeiro que trabalha a massa com vontade. Isso não é um conselho. Só uma opinião.

2 comentários:

  1. o grande problema é o mundo corporativo: simplesmente as instituições calam o indivíduo, é um massacre de opinião... principalmente as empresas privadas que, gluuub!, engolem a sua voz! afff... ando pensando demais nessas questões, foi mal o desabafo de alguém que tbm sempre tem opinião pra tdo!

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  2. Desabafos, nesse blog, são mais do que benvindos. Eu trabalho na farmácia dos meus pais, que nem mundo corporativo é, e olha que é gluuub! o tempo todo. SACO!!!

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